Algo sórdido acontecera. Quase ninguém
gostava de comentar. O burburinho corria boca a boca. Boca podre. De gente
pecaminosa. Pelo andar da carruagem. Somente daquele jeito. Terminaria. Quase
ninguém gostava do moço. Todo final de tarde. Todo cair da tarde ia. Sozinho saía, a comprar pães. O mercadinho
ficava do outro lado da rua. Ao chegar à praça, ficava um bom tempo.
Solitariamente sentado à praça. De onde ficava, dava pra ver. O pórtico da
igreja, os passantes. Intrigantes. Os passarinhos revoando em desalinho. Animados
aninhados ao ninho.
Pra onde será que iam todos
aqueles carros? Por que os faróis? Luzes, e luzes, indo e vindo. Ofuscando pensamentos
destorcidos. Sombras assombradas vindas do subconsciente. Criara fantasmas, que
o perseguiam, dia e noite. Como se todos os mal-assombrados, assombrados descobrissem
seu segredo. Fins de tardes mastigados. Como quem come pão. Engolindo. Seco. Secamente,
tarde. Demais.
Os meninos delírios, a voarem. Sabe-se
lá pra onde. De por quês. A chuva passava. Ia passando pelo outro lado da
rua. Furtivamente se escondia, atrás dos
ventos. Frustrava. E não vinha. Feito revistas velhas. Folheando apenas o que
nunca, jamais prometera. Mentia. Mesmo que estampasse verdades, mentiam. Ao bem,
sabe-se lá de quem. Mentiam. Não era verdade o que diziam, dele e da tia Fiama.
Tia Fiama. Calcinhas penduradas no
varal. Tinha uma cor de vinho. Combinava imensamente com suas coxas alvas,
roliças. Pelos clarinhos. Que pele, meu Deus! Aquela cor. Cabelo, pele, olhos
de mel. Cílios. Escorrido. Escorrendo se deitando pelas costas. Sobrancelhas. Lábios
que lambiam. Despudor de torpor. Espáduas espadadas. De soltar gemidos. “Gárrula de mim um pouco”. Livro de poesia. Ó
tia, vós sois tão bonita! Meu Deus! Tia, que pecado. Sonho louco, que sonho. Comer.
Ai tia!
Os meninos, eternamente.
Brincavam quintal. Subiam e sumiam. Para sempre, goiabeiras. Corriam por anos a
fio. Até alcançarem o final. Ereção. Até alcançarem, terna vida. Masturbação. Até ficarem exausto. Tenra vida. Amar-te-ia, tia.
Os olhos amendoados. A boca de comer frutas. De fantasiar fantasia de sobrinho
que não. Que não queria. Sendo assim não iria. Pro céu. Água do chuveiro
descendo pelas costas molhava espáduas. Nádegas. Nua. Tia nua. A mão descendo,
lânguida. Nádegas frias. Água por entre as pernas. Buraco da fechadura. Sentir
o sexo. A ponto de urinar-se. Lambendo, beijando. Vontade de fazer sexo.
A tia sempre vinha, e pedia. O
menino obedecia. Amava. Ama. Fiama. Tia. Possuindo-a. Volúpia. Tia, sozinha. Tinha
ciúme do quarto. Toda vez que, sozinha, se trancava. Seria por capricho? O
deixava sozinho. Preso aos atos pecaminosos. Malévolos. A tocar seu corpo.
Sobrevinha um sonho repetido, feito disco arranhado. A vitrola. A dançarem nus,
pela casa. Rodopiando ao som de um bolero de Ravel. Seria tango? Trágico tango.
Decalcado, de um tempo lá atrás, tão sensual.
Entraria com raiva no quarto. Já
devia ter feito isso. Foi forte demais. Não podia ser. Doce. Fruto, sua
imaginação. Tirou toda a roupa, e exibiu-lhe o sexo. Rijo. Pronto pro ato.
Desejo. Vê-la admirada, de ver o que
via. A água lavando-lhe o despudor. Enxague de desamor. Desfeito de um ato,
tantas vezes solitário, de prazer. A música, tão real. Cantiga de carnaval.
Orgasmos de carnaval. Falava de amor que
começava pra tudo terminar violentamente, ilusão.
Menino apaixonado, perigo. Ninguém
faria questão se morresse. Ou vivesse. De que serviria somente uma manchete de
jornal? A pensar coisas doidas. Coisas de doidos. Doidices de carnaval. Pensar em matar a amada. Tia Fiama. Em
seguida, se matar. Depois, de fazer amor com sofreguidão. Beijá-la,
sofregamente. Como quem beija. O sexo de uma prostituta. Beijaria os seios como
se estivesse. Se queimando de febre. E as tantas vezes que beijara sua mão,
toda vez que pedia. A benção tia.
Se pudesse reter aquela mão. Seguraria
com desespero conduziria a seu sexo. Duro avolumado. Desconfortavelmente preso,
no calção, latejante.
Menino vai lavar essa boca. Só
tem grude. Aproveitaria pra lavar os pensamentos. Estavam tão sujos. Cheios de
chupões. Chupos de manga, cheiro de
manga. Cheiro que lhe vinha do colo. Quem dera pudesse sugar aqueles seios.
Manga com leite. Faz mal. Mata. Mataria eu e tia. Morreria feliz. Que importa.
As pernas entre abertas. Tia
Fiama. Bastaria abaixar-se um pouco, e veria sua calcinha. Estava com aquela de
renda, lilás. A mesma que outro dia, roubara do varal. Masturbou-se
cheirando-a. Jamais esqueceria aquela cena. A calcinha. Cheirava-a, pensando no
seu sexo. Imaginava-o ali dentro bem acomodado. O cheiro. O chuveiro.
O prazer de sentir-se desejada. Àquela
altura, com aquela idade. Saber-se comida com os olhos. O menino. Sabia que tinha
vontade. Chupá-la como quem chupa uma fruta. Só podia ser. De propósito. Tia
Fiama. Distraída, estaria?, As pernas entre abertas. Só para que pudesse ver. Os
pelos pubianos a estufar seu sexo. Uma eternidade de tempo. Jamais esqueceria.
Carnaval. Lança-perfume. Cerveja.
Fumos aromáticos, papel seda. Papel branquinho como os dentes de tia. Os olhos
doces como fumo. A boca entreaberta. Os olhos vítreos. Sereno. Como em câmara
lenta. Dois tiros.
As coisas todas giravam, alucinadamente.
Cavalos desembestados. Redemoinho, turbilhão de sonhos. As imagens se sucediam,
feito carrossel. De vento, e Agonia. Ia pra morte como quem ia viajar. Partiriam.
Os dois. Viagem. Sem levar bagagem alguma. O rádio dizia, o que o jornal descrevia:
“Trágica terça-feira de Carnaval.
Encontrados, dentro de apartamento, os corpos de Tia e sobrinho Mortos.”
Fabio Campos, 25 de janeiro de
2019.