Solidão...
Se pudesse, não ficaria nem mais
um minuto ali. Solidão, de rua. Solidão de muita gente. Cerveja fez uma nódoa na
calça. A calçada ficou pegajosa. O cheiro de lúpulo. Os dias ficando cada vez
mais quentes. O rapaz estava resolvido, ia se atirar da ponte. Desistiu. Melhor resolver o
problema de outro jeito. Não havia outro jeito. Teria que inventar. O cortejo
ia passando. Melhor ficar olhando, vivendo. Ficou pensativo. E se fosse ele
próprio no caixão? Achou triste. A praça de ressaca.
Melhor que ir no caixão. Os dias de festas só estavam começando. Pra ele já
havia acabado fazia tempo. Tinha mania de achar que todas as meninas carregavam
uma Maria no peito. Ainda que fosse um pouco só.
Lá vem o Sol...
A chuva foi embora. A esperança
de melhores dias. Também os dias. Os dias de aulas, as crianças se foram. O
sol solidão. Nada. É mais puro que crianças brincando. Correndo de encontro a
luz. O sol com sua inefável grandeza de queimar. Retina. Queimar miolos,
queimou a pele. Sol da madrugada. Dá meio noite. Sol suou suor salgado. Café
frio. Vento quente. Pássaro urubu, pássaro, asas negras, pássaro. Dia
amanhecendo. Música de Deus, tocando. O sol. O plano B era matar. Matar alguém, que
não fosse ele mesmo. Alguém que causara tanta dor. Dor. Não parava.
A mãe...
A onde foi sua mãe? Fazer as
sobrancelhas. Legal. Que tal fazermos outras duas em você? Que tal mais um braço? Outro ?Como? De caneta. Riso engraçado. Daí vai poder segurar a boneca, o biscoito, o copo
de refrigerante. Tudo ao mesmo tempo. Deixe-me fazer um dente. Nesta boca, estão
faltando alguns. Sorriso doce de criança. Quanta pureza. Nos cabelos. Molhados
de suor e alegria. Viajando, viagens malucas, de velho. O cheiro. O beijo nas
costas da mão. A benção. O revólver dormia tranquilo, o sono da morte. Foi acordado.
Tinha que trabalhar. Fazer valer. O valor mortal que tinha.
O irmão...
O limão insano, inchando, de
ódio. O calor de puro ódio. O irmão que não ficava. Calado. Uma boa hora pra
morrer. O tédio. O copo. O corpo. A xícara branca, café negro. Brilho gelado,
beijo. De modo a não conseguir dormir. Dormindo acuado. Acordado. O homem que
sabia lidar com a terra. Veio amanhecer, homem. Anoiteceu velho. O chapéu. Onde
andará? Com seu andar claudicante. As mãos duas potentes potências. O aperto de
mão, trouxe pedras, espinhos e lágrimas. Jamais esqueceria. O aperto, no
coração. Três tiros seriam suficientes. Atiraria na cara de tanto ódio. Nos
olhos lágrimas oportunas, inoportunas. Os sulcos pareciam, e apareciam com os da
lavoura. O rosto de barro de louça. A mulher, merecia morrer. O amante
também. A enteada, morreria por ser cúmplice.
Retratos...
Nunca mais queria ver os
retratos. Nunca mais tiraria retratos. Nunca mais pediria pra posar em
família. Nunca mais, era muito tempo. Tempo que não acabava mais. Nunca mais
era eterno. Era, infinito. Nunca mais
queria natal. Nunca mais queria ceia. Aquilo tudo era farsa. A dor, a ferida
aberta. O machucão no braço. O menino que só queria brincar, chorou. Aquela dor
de doer. De não saber se defender doía. A calçada. A água da chuva lavou. A
tristeza.
O calçamento. A água da chuva levou. Desespero que só o cigarro
artesanal conseguia dissipar. Diria coisas, do tipo: você é a culpada de tudo.
Diria. Mesmo depois de matar, pra não ter tempo de se arrepender. De que
adiantava dizer coisas a uma mulher morta? O amante morto também. Ficou com um
sorriso cínico no canto da boca mesmo morto. Isso só aumentava a raiva. Por isso cinco
tiros nele. O primeiro no meio da testa, o suficiente.
Crianças...
Os meninos, o riacho. Corriam e
ficaram congelados, estáticos. Os braços levantados. Os pés descalços quase
tocavam a água salubre. O tempo voando, as cobras rastejando. Quando tem muita
cobra cobrando, é sinal de trovoadas. Sinal de terremotos no oriente. Os
caranguejos no mangue a trovoar. O pé de abacate precisava namorar pra ter frutos. O pé
de manga na desova todo dia, toda hora. Frutos, depois da queda, inúteis. O pé de trapiá cinquenta anos de imaginação. O
pé de acerola afinando, afinando até virar finado. O homem nu encima do pé de
goiaba. Que homem nu? Não. Havia sim um homem nu. Coisa nenhuma. Fruto, imaginação.
Goiaba. Fruta pão. Ia morrer mesmo.
Bois anônimos...
Uma parelha mansamente,
conduzida. Enquanto houvesse bois no mundo. Haveria ainda esperança. O boi
bovinando, sagradamente. Já não precisavam de nome. Iam morrer mesmo. Iam pro matadouro como
quem vai. Os olhos negros, inocentes. Lacrimejavam, lama negra. Jamais. E
nunca mais nada seria como antes. Mandou um recado: "Vou te matar. Eu sei de
tudo. Você e ela, sabem que eu sei." Enquanto isso os meninos reinavam. Os dois tiveram
tempo de fugir. Sumirem com suas vidas. Preferiram rir de mim. Vão morrer. Pra aprender. A respeitar.
O Mar...
Enquanto houvesse sol. As roupas
teriam algum sentido. A existência severa persevera. Os remédios. Calmamente acalmando.
Não, tomaria vinho. Vinha a irritação. Tomava vinho. E vinha a náusea. Parecia
até que tinha engolido um gato. Tornara-se dependente. Precisava dele pra
manter o equilíbrio emocional. A senhora, náusea. Negra. As mãos sujas que nunca
estiveram sujas. A água que não tirava aquele gosto ruim das mãos. O açúcar fel.
Droga, cocaína. O doce. A maconha. A desilusão. É como ir a praia, sem poder
entrar no mar. Ir pra festa sem poder festejar. Ir pra um banquete sem poder se banquetear.
Tudo perdera o sentido. Tudo fazia sentido agora.
O pai...
O pai. Sabia. Todos os dias era
pai. Todos os dias, um copo de vinho,
antes de almoçar. Todos os pais sabem o que acontece com seus filhos. O retrato
preto e branco. Mais branco a cada ano. As não cores sumindo devagar. Os
armazéns vendiam, a preço de banana. A tarimba do mercado, com esmero. Toda no
azulejo branco. O balcão cimentado. A carne vermelha cortada, o sangue pingando. A
faca. Os óculos redondamente dourado. O estridente som da faca esfregada freneticamente no
pontiagudo espeto de amolar. O avental sujo de sangue. Bovino. Mataria primeiro
o amante, em seguida ela. Teria que ver, e se sentir culpada por destruir uma família.
Braços erguidos...
Se pudesse não lembrava de nada
disso. Os braços, as mãos calejadas é que abriam a mente pra tanto sofrimento. Era tempo de viver. O tempo era de sonhar, de esquecer. Não de odiar. De
passar na cara. Se pudesse sumia. Sumir é pecado do ponto de vista de quem vê. De
quem sente. E do ponto de vista de quem não vê? Braços estendidos orava. Braços
hirtos matam. Mão que aponta uma arma mata.
O gato...
Os gatos ficam calados, pois
sabem demais. Gatos sabem demais. Melhor deixar tudo pra depois. Só o tempo pra
apagar tantas mágoas. Doía só de pensar. Era tempo. De orar. Morria na boca a reza. O
deus que não conseguia ir até o coração. A reza. Morria na boca.
“Nossa Senhora da defesa. Cura-me
das vaidades. Do ódio. Do orgulho, da soberba, vanglória e atrevimento. Da
arrogância, presunção, cinismo e auto-suficiência. Da hipocrisia, fingimento e
deboche. Do egoísmo e da ganância.” Nossa Senhora perdoa-me. Pelo que vou
fazer.
O asfalto, dizia tantas coisas.
Dizia pra ficar calado. Pois o tempo de falar passara. Os dias, cada vez
mais loucos. Os dias de andar de bicicleta. De pedalar pra perder barriga. Não
tinha mais sentido, coisa alguma. O menino, o pequenino chorou. O menino, o grande
quis acompanhá-lo. Agora era hora de ser forte. Precisava ser. Precisava.
Fabio Campos, 02 de janeiro de
2019.
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