Capítulo 7 Sorte Da Saga de Kira

    





















Kira sentia-se perdido. Totalmente desorientado, fisicamente, psicologicamente, espiritualmente. E mesmo geograficamente, Olhou em volta. Percebeu que se encontrava bem no meio da vila.  Deu um giro de trezentos e sessenta graus. Parecia um bêbado. Olhou pra si mesmo. Considerou-se em situação deplorável. Sujo, fedia. Havia dias que não tomava banho, tinha fome, e ódio, muito ódio. Vagou pelas ruas. Acabou na escadaria da catedral. Se um cristão da nobreza, por acaso saísse do templo, dar-lhe-ia uma moeda de esmola. Mesmo se ele não estendesse a mão como fazem os pedintes. Daria por superstição, por tradição, ou medo dos castigos dos céus. Caminhando a esmo, acabou deixando a vila. Andou, andou foi quando viu uma belíssima chácara. Um homem montado a cavalo, indo no mesmo sentido que ia, passou sem cumprimentá-lo.  O cavalo troteiro sacudia a cauda, como se desprezasse tudo que ia ficando pra trás. Kira andou rente a cerca de arame, quando avistou um alforje caído no meio da estrada. Ao alcançá-lo verificou seu conteúdo. Havia um montante considerável de dinheiro ali. Eram notas novinhas verdinhas, exalavam o suave odor da fartura. Olhou em volta, ninguém somente o cão negro que sempre o seguia, parado a uma distância considerável. O primeiro impulso foi o de voltar a vila, ir até a taberna saciar a fome, tomar umas boas doses de uísque. Hospedar-se num hotel tomar banho, ficar com uma rapariga. Jogar pôquer no Cassino. Porem considerou que aquele achado poderia pertencer ao cavaleiro que a pouco passara por ele. Andou, até chegar ao portal da propriedade que margeava a estrada. Letras cursivas, talhadas num tablado de madeira de lei, anunciava: “Chácara Dom Pero Di Carriglio”.

Aquela moça da visagem da gruta, jamais fora sua irmã! Acabara de encontrá-la, bem ali. Além da cancela da chácara. Ainda mais bela pessoalmente. Tão assim vivamente. Seria a filha de Dom Pero? Sentiu-se um pouco aliviado. Pois tivera pensamentos cheios de libido. Da vez que a viu, tão bela donzela, em sua miragem. As probabilidades dela não ser sua irmã diminuía a culpa, tornando mais leve o pecado da luxúria.


O Ódio voltou para junto de Kira. Tão perto estava que o fogo emanado do seu corpo chegava a queimar as pontas dos pelos de seu braço, da barba, do bigode. Chamuscava os cabelos da cabeça. O cheiro de pelos queimado entrou por suas narinas trazendo lembranças terríveis, de quando enfrentou o incêndio na casa materna. O ódio deu voltas em torno de seu corpo. Algumas tão lentas que provocavam arrepios, outras tão rápidas que levantou poeira, pedras, terra e arrancou arbustos do entorno. De repente o Ódio enfiou a mão dentro do seu peito. E segurou seu coração. Sentiu como se queimasse enquanto pulsava entre os dedos incandescentes. O Ódio segurava, e mantinha seu sopro de vida. E o Ódio como numa voz de muitas vozes, vinda das profundas da terra falou: Não encontro aqui dentro, motivo para levá-lo comigo. Vou tirar apenas o que me pertence. Num movimento brusco recolheu a mão, que trouxe junto as manchas negras que haviam na alma de Kira.  Evaporou para dentro das trevas. Kira desmaiou.  

27 de Julho de 2019.  



POESIA:         ALVORADA

QUANDO A IMENSIDÃO DAS TREVAS
ESTÁ SE INDO EMBORA E O CÉU TORNA-SE
UM VÉU AZULADO, É O ALVORECER QUE VEM...
ANUNCIAR MAIS UM AMANHECER
PÁSSAROS EM ALVOROÇO SACODEM-SE
PARA AFUGENTAR O FRIO
NO SILÊNCIO DOS CAMPOS...
NO MURMÚRIO DAS ÁRVORES
GOTAS DE ORVALHO DEITAM-SE
POR ENTRE A FOLHAGEM DAS PLANTAS
E POR TUDO QUANTO É SUPERFÍCIE
TORNANDO TUDO FRIO...
CHEIRO BOM DE MATO VERDE E FOLHAGEM
INVADINDO TUDO, E TUDO SE TRANSFORMA
O CÉU AZUL, QUE ESPLENDOR!
OS PRIMEIROS RAIOS DE SOL SEM QUENTURA
QUE OUSAM APENAS CLAREAR SOBRE O OLHO
DAS PLANTAS MAIS ALTAS, E CADA VEZ MAIS INVADE.
BELO É O VOAR DOS PÁSSAROS EM DIREÇÃO
AO NASCER DO SOL
TOCA O SINO NA IGREJA ANUNCIANDO
A HORA DE DESPERTAR...
MAIS UM DIA A ENFRENTAR...
A MISSA VAI COMEÇAR...
BELO É O AMANHECER.

Composição de 18 de Junho de 1978.





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