PREGUIÇA Capítulo 11 Saga de KIRA




























Morgana adotou Kira. Ainda em estado de cachorro.  Kira que perdia, pouco a pouco, a capacidade de discernir se era racional ou não. Ganhou um espaço só seu. Ficava no alpendre de um velho casebre do lado leste da Casa grande. Pelo cheiro, que vinha de lá dentro. Ali, só podia ser um depósito de ração, quem sabe fertilizantes e equipamentos agrícolas. A coleira de couro pertencera a uma cadela, que morrera de tão velha. Nada fácil substituir animal de estimação, falecido. Primeiro que cada bicho tem sua própria personalidade. Ficar olhando aquele céu, o dia todo,  desde o nascer ao por do sol. Quanto as moscas  quando incomodavam muito ia pro outro lado da coberta. Até onde a corrente de argolas de ferro permitia. Amava correr em círculos tentando pegar a própria calda. Morder a coxa traseira, se uma pulga resolvia desafiar sua paciência. Outras vezes a preguiça era tanta que sequer balançava a cabeça, e uma mosca mais ousada ia até o canto do olho. O que o irritava muito porém a dormência dos membros feito letargia, embotava a coragem. Cerceando os movimentos.

O céu de começo de dia tinha borrões de fumo róseo, fraco no centro, e mais forte nos flancos. Acabam desbotando as nuvens feito capucho de algodão doce. Tanto sol levara que desbotara. A língua se insinuava pra fora da boca. Ânimo pra colocá-la pra dentro não tinha. O cimentado começava a esquentar com a quentura do sol batendo em cima. Podia vir sem problema, e ele vinha. Esfregava uns raios bem quentes no seu focinho intumescido. A friagem da manhã ia se dispersando, lentamente.  O sol, logo mais estaria a pino. Ofegante respiração sudorese de língua. Não levantara, nem levantaria de onde estava. Desde que amanhecera, na mesma posição. Nem as fuças do chão, pegando fogo àquela hora tirava. Acometido de séria doença. Cão, que um dia fora gente, tinha mais tendência a sentir aquilo. Mórbida preguiça.

A moça sentada de frente ao toucador. Via o próprio rosto refletido no espelho. Parou de pentear-se. Se perguntava, afinal, quem era aquela pessoa que ela própria via, mas tinha medo de encarar. De se  abrir, relutava imaginar-se conversando com ela mesma. Tantas coisas, tinha pra perguntar a si mesma. Perguntas para as quais não obteria respostas. Decididamente não confiava em seu pai. Sabia, algo de estranho havia nele. Além do que já tentara abusar dela. Numa vez que fez aniversário, levou-lhe um presente no quarto. Ela havia acabado de sair do banho. Na ocasião estava exatamente como estava agora. Vestia somente o roupão de após o banho.

Abraçando-a por trás tocou-lhe os seios, ao tempo que uma das mãos buscou seu sexo. Ele sempre fora, perante ela, um homem muito grande e forte. Tomou um choque ver tal atitude de alguém a quem sempre tivera muito respeito. Outras vezes flagrou-o lançando olhares de sevícia sobre seu corpo, seus seios e nádegas. Sentiu-se mal, coisa que o tempo ajudou a relevar. Parecia que não conseguiria desvencilhar daqueles braços potentes e vigorosos. Ainda mais força possuía quando tratava-se de imobilizar uma de suas presas para prática dos seus instintos bestiais. 

Como uma corsa esgueirou-se para baixo num movimento rápido e preciso. Mas o predador não desistiria assim fácil de sua presa. Partiu para algo mais agressivo, num único movimento brusco desnudou-a do roupão. E lá estava ela, nua em pelos. Das mais belas cenas que um pervertido, por toda sua vida, desejara ter. A sua vítima acossada, indefesa. Vê-la assim só aumentava-lhe os desejos de possuí-la. Aproveitou o instante de surpresa e perplexidade para livrar-se das próprias roupas. O sexo latejante apontava pro motivo do desejo. Os olhos refletiam um ar sádico, uma loucura desembestada.  Agora sabia, não havia a menor dúvida, aquele homem jamais fora seu pai.

Nem era o pai de Morgana, muito menos Seu Teoton.  Conde de Caravaglio, Dom Carriglio, para os mais íntimos e familiares também não. Era na verdade um andróide. Viera de outra galáxia. No porão da casa ele escondia um segredo. Todas as noites. Na calada da madrugada descia ao porão, e livrava-se por alguns instantes daquele corpo humano que lhe revestia. E surgia um Não-humanóide feito de placas metálicas, pinos de titânio e outros metais e fiações cibernéticas. O esqueleto composto de chips, motores e articulações elétricas não possuía coração, no lugar do órgão bombeador de sangue havia uma placa cheia de luzes coloridas, que piscavam o tempo todo. Mas se era um Ciborg com que intenção faria sexo com Morgana? Kira queria entender, aquelas lembranças que a moça compartilhava com ele, achando que o cão nada compreendia. O lado bom de ser bicho de estimação é que eles ficam sabendo de coisas tão íntimas de seus donos, que seriam sua segunda alma. Sua segunda pele. Seu segundo corpo. Quem sabe o primeiro, e único.

O vilarejo de Ishikawa, estava pra presenciar verdadeiro apocalipse. O gato Brown, estava no alto do telhado do sobrado. Assistia a tudo. Sabia de tudo que estava pra acontecer. O Conde de Valverde, das profundezas do Vale da Morte voltara pra vingar o filho Adonis que perdera um olho. Adonis por sua vez, tinha um acerto de contas com Dom Pero Carriglio, Adonis tinha verdadeiro fascínio por Morgana, e ficara sabendo através de Piathon o monstro mitológico, o cão de guarda do castelo de seu pai o que a moça vinha sofrendo sob a tutela do Conde do Mal. Ele chegou montado em Phiaton.  “O tronco brutalmente incomum ia afunilando à medida que se aproximava das patas traseiras. Uma coleira em torno do pescoço, ornada de pontiagudos ferrões. Serviam para delimitar o corpo da cabeça. Os dentes ameaçadores espetavam as fuças gelatinosamente prateada do monstro. Os olhos como os de um ciborg, pareciam duas balas de matar vampiro. Projetavam-se pra fora. A aparência era de um ser destituído de qualquer sentimento. Um fio de baba prateada balançava desde os dentes, até abaixo do queixo proeminente.”

A preguiça era uma enorme serpente, escamosa, asquerosa, verde azulada, ou seria azul esverdeada. Javah, ou seja lá o que fosse aquele ser nefasto. A verdade era que subia pelo corpo de Kira, por sobre cada parte do corpo. Como de sangue inundando bem devagar cada uma de suas veias ressequidas. E à medida que ia passando, e tocava, o membro desfalecia. Num instante estava totalmente inerte. Apenas consciente, porém prostrado, imóvel. Sem capacidade para exercer o menor dos movimentos. Como o lendário Pesador. O fantasma de sua infância que se apossava dos preguiçosos. Levando para o lodoso lamaçal do vale dos quase-mortos. Nada mais devolveria a condição de animal. De algo animado, inanimado. Talvez se uma carruagem de seis cavalos passasse por cima, não moveria um fio de cabelo. Melhor dizendo, de pelos. Já tivera a oportunidade de ver outros cães morrerem assim. Assistiria toda a batalha sem mover um dedo? Quer dizer, sem mover uma garra?


26 de Agosto de 2019.  



POESIA:            A LUA

LUA PÁLIDA
MAGNETIZA-ME 
COM TEU OLHAR
AURA DA LUA
VEM ME ENVOLVER
NESTA NOITE TRISTE
FAZ-ME COMPANHIA
COM TUA LUZ FRUGAL
ÉS TU QUE AS VEZES
VENS OLHAR!
OS POETAS APAIXONADOS
OS SERESTEIRO
E QUANDO VENS!
PROCURO-TE!
E FICO ADMIRANDO-TE
NOITES DE NUVENS ESCURAS
MÁCULA QUE VEM INTERFERIR
NA TUA SIMPLICIDADE
MAS TÃO DISTANTE...
ESTAIS,
SÓ...
PERDIDA EM TEU CAMINHO
LUA QUE TANTOS A IMAGINAM:
LUA DE APAIXONADOS
LUA DE ALGUÉM
LUA MINHA
LUA DE VAMPIROS
LUA DO ALÉM.

Fabio Campos Poesia de 40 anos atras, 28 de Junho de 1978. 

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