Cap. 16 O Sonho. Da Saga de KIRA (Love is many-splendored thing - Frank Sinatra)




Cap. 16 O Sonho                              Da Saga de KIRA

(Love is a Many-Splendored Thing.   Frank Sinatra)

Era visão tenebrosa. O céu púrpura soprava vapores de fumaça violácea debaixo de trevas. A irmã de Kira apareceu. Sentada no sofá de sua infância. Enorme sofá, gordo, cor de madeira. O cheiro de naftalina e urina de gato disputavam, sem haver vencido ou vencedor. Bela Morgana, tão serena, em trajes de festa. Vestia vestido branco, de muitas anáguas e babados, laços rosáceos. Lembrava um quadro de Rembrandt. Sabia, era só um sonho. Mas quão bonita, a via. Que idade teria agora? Onde estaria? Aquele sonho seria um mal presságio? Um aviso que morria? Jamais a teria visto vestida assim.  

As mãos, o que havia com suas mãos? Não conseguia dobrar os dedos. Delicados e finos, sentia-os duro de pedra. Não conseguiria sustentar um cálice. Nódulos que acompanharam-na, parte da vida, necrosaram. Cicatrizes que ela nem lembrava mais como adquirira. No dedo mínimo, uma estrela, no indicador, um ressecamento na dobra da falange. As pernas de bailarina levemente dobradas.

Deus, a fase de cachorro? Teria passado? Estaria passando? Não entendia muito o que estava acontecendo. Certas coisas,  melhor não entender, apenas viver. Não sendo algo real, aceitá-la-ias do jeito que estavam vindo. Kira estava ferido. Gravemente ferido.  Precisava sair dali, urgente. Aquele tipo de situação, não tanto inusitada, tirava-o do sério. Uma taxa extra de adrenalina, a aumentar-lhe os batimentos cardíacos, alterando a respiração. Pupilas dilatadas, sudorese, pelos eriçados, taquicardia. Tudo muito parecido com o clímax de prazerosa relação sexual. No entanto, não dava pra sentir sentir prazer em morrer. Kira estava morrendo.

Cavaleiros  sobrevoavam a planície do campo de batalha. Cavalos alados cavalgavam as nuvens de fumaça. Navegavam o vale das sombras. Não dava pra   ver seus rostos, traziam elmos na cabeça. Mas dava pra ver seus olhos de ódio. A morte dava pra ver nas veias dilatadas, em suas frontes escondidas. As espadas desciam com raiva, e subiam projetando no céu jatos de sangue e cabeças decapitadas dos corpos. A guerra dos mundos inferiores  começara. O pior era que Kira conseguia, sem que isso dependesse de sua vontade, estar nos piores momentos pelos quais a humanidade passava. Naquele exato momento estava na batalha do apocalipse, da era cibernética.

No meio daquele inferno, Kira teve outra visagem. Estava à mesa com  os irmãos, todos transformados em cães. Uma cena capaz de motivá-lo a decidir pela vida. Ele à mesa, com os irmãos, o pai e a mãe. O alimento simples sendo servido. Arroz, carne  de galinha de capoeira, cuscuz de fubá de milho,  macaxeira cozida, ovos mexidos. Ovos caipira, saudáveis. Pena, não era mais, como antigamente. Tinham corpos de humanos, mas as cabeças era de cães. Deu um grito horrendo. Seguiu-se estrondosa gargalhada sinistra, vinda do além. Algo de causar pavor em hiena.

A soberba, bem figurada numa cadela muito luxuosa. Mulher dama. Deleitava-se de todos prazeres que as regalias que uma madame podia conceber. Tomava banho em banheira de mármore. Velas acesas, incenso. Água de sabão, espuma. Uma luz tênue, providencialmente direcionada. Shampoos de essências especiais, condicionadores importados da Índia, leite de cabra pra dar mais maciez a pele, óleos de pelo de lhamas das cordilheiras, para tornar os cabelos mais sedosos. Uma música de fundo. Trazida da década de sessenta. Nat king Cole, ou Frank Sinatra?  Falava de como o amor era algo esplendoroso, algo assim como “as rosas da primavera no mês de abril.”

“Love is a many splendored thing/ It’s the April rose that only grows in the early Spring/ Love is nature’s way of giving a reason to be living/ The Golden crown that makes a man a king.”

Um cálice com vinho de dezoito anos. Uma taça com água dura, dos profundos poços do vale do cariri nordestino. Serviria somente pra lavar o rosto, Dar um toque de mistério, de aurora fina, tudo se insinuando. Um beijo desprendido numa rosa, com tanto amor, mas tanto amor, cuja boca se despetalou. Arrepio de lóbulo da orelha. Abraço, de carência, de carinho, olhar lânguido. A pele, os poros respirava o cenário. As unhas cintiladas, feito pétalas de olhar. Olhar caçador desses que acordam cada manhã, toda manhã. O banho matutino de cumplicidade, de irmãos. Não, não era a irmã que vinha avisar que morria. Ele próprio que morria.  E quando pessoas muito próximas vão partir suas almas se aproximam. Morgana, te amo muito. Adeus.

Kira estava morrendo. A mesma ansiedade que invade um ser que está pra nascer invadia-o naquele momento. Quantos anos vivia um cachorro? Ponderou que isso dependia de vários fatores. Levando a vida que levava, cheia de necessidades, a passar fome, dormir ao relento, se expondo a doenças. Vivendo em ambientes inóspitos, convivendo com gente hostil, sob constantes cenários de guerras não era nada fácil.

O homem, de quem recuperara a carteira, o acolheu, tornaram-se amigos. Numa outra dimensão, era  cavaleiro do apocalipse. No meio do combate uma explosão ensurdecedora. Foram os dois atirados longe. O amigo morreu. Kira agonizava. Não era de se estranhar que, mesmo tendo pouco mais de quatro anos de vida, morria.

Fabio Campos, 28 de outubro de 2019

EXALTAÇÃO A TERRA POESIA







































POESIA: EXALTAÇÃO A TERRA


                     I
VAI MINHA TERRA!
DEIXA, PEGA, LEVA 
E TRAZ SAUDADE
NÃO PERMITAS NUNCA
QUE EU TE ABANDONE

                    II
VAI MINHA TERRA!
SEGREDAR AOS QUE CHEGAM
QUE PASSADO TEMPOS MAIS
ME VISTES VERDE-MENINO


                     III
VAI MINHA TERRA!
BUSCA EM CADA CANTO
EM CADA PALMO QUE PISEI
A CERTEZA AUTOCTONE
DE LEMBRANÇAS PASSADAS

          
                      IV
VAI MINHA TERRA!
LEVA UMA ESTRELA
A BRAVURA DE TEUS FILHOS
DAS "ALAGOAS MARECHAIS".

COMPOSIÇÃO DE: 17 DE OUTUBRO DE 1978. POESIA DE 40 JANEIROS PASSADOS.

                             PENSAMENTOS

DEUS CRIOU TUDO, E VENDO QUE FALTAVA ALGUMA COISA
CRIOU O HOMEM;
O HOMEM INVENTA DE TUDO, MAS NÃO VÊ QUE FALTA ALGUMA COISA:
"O AMOR AO PAI."

O VÍNCULO MATRIMONIAL DEVE SER
A RESOLUÇÃO DAS RESOLUÇÕES, ENTRE UM CASAL.

SÓ COMPARO O AMOR COM A ÁGUA: NÃO TEM COR, NÃO TEM CHEIRO, NÃO TEM GOSTO. MAS SACIA!

ENTRE OS SEGREDOS DAS TREVAS E A CHAVE DA LIBERTAÇÃO
AÍ SE ENCONTRA A LUZ DA ESPERANÇA.

PENSAMENTOS CRIADOS EM: 16 DE OUTUBRO DE 1978.


POESIA:       RECORDAÇÃO IPANEMA

ÁGUAS PLÁCIDAS 
QUE CORROMPEM ELEVAÇÕES
REMOVE MONTANHAS
EM TEUS FIOS CRISTALINOS
AZUIS
TRAZEI IMPONENTES RECORDAÇÕES.

RABISCADA, PONTILHADA
GÁRRULA DE MIM
UM POUCO
ENCHARCANDO
DUM DOCE AROMA
AS CRIANCICES 
DEIXADAS NO TERNO PASSADO.

DESABROCHA IMPÁVIDA
MEUS SEGREDOS
DENGOS, MISTÉRIOS
PARA TEU BERÇO PROFUNDO
AFOGADO...

NÃO ESQUECEREI JÁ MAIS
NUM RECORDAR É SOFRER
E VIVER
E VIVER NUNCA É SOFRER.

ESPELHADO
O REFLETIR É 
A ERRÔNEA CERTEZA DE CRER
NO PORVIR.

POESIA FEITA EM 18 DE OUTUBRO DE 2019. A 40 ANOS ATRÁS. QUANDO EU FABIO CAMPOS TINHA APENAS 18 ANOS DE IDADE.





Capítulo: LUXÚRIA Da Saga de Kira Koruchaua


LUXÚRIA          Capítulo: 15
                                                                   
 Da Saga de Kira Koruchaua



Pra onde foram? Onde estavam, todas as pessoas? Parecia Tudo, irremediavelmente perdido. Não era a primeira, nem seria a última, que isso acontecia. A catástrofe dos dinossauros, deixara marcas profundas. Num futuro qualquer, alguém diria que fora um meteoro. O sol ficou olhando. Feito palpiteiro de um jogo chamado mundo. No sertão chamado de pirangueiro, de peru. Olhando como quem tivesse interesse de saber no que ia dar. As montanhas fugiram pra muito longe.  O Salloon parecia abandonado. A portinhola, no vai e vem, melancólico, quebrando o imenso silêncio, de solidão e pó. A cadeira de balanço velha, no rangido enfadonho. Tudo teria sentido, se fosse pedaços de filme do velho oeste americano. Só que não. Era sertão e sertão é mandacaru, calor, poeira, solidão da muita. E solidão. 


A cabeça doía, uma não dor serena. Não serena dor. Dor. Uma dor amiga, daquelas que estão dispostas a ouvir, a aceitar nossos defeitos, nossos erros. Como se tivéssemos tomado um anestésico, muito forte que nos causasse um estado lisérgico. Como se tudo em volta se tornasse holograma. E nada fosse de verdade, um quase letárgico sentimento. O  céu, ameaçava desabar, como se feito à base de lona plástica, terrivelmente azul. Como lâmina cortante que viria junto a linha do horizonte. E destruiria um terço da humanidade com um simples sopro. O ar atmosférico, nenhum pouco rarefeito, dificuldade de entrar nos pulmões. Quando conseguia, o fazia em estado líquido, e ficava boiando, causando estragos inimagináveis, incomensuráveis, indizíveis. Doido pra sair, e que caía pela ponta da língua. Caninamente pingando na calçada quente. Saliva de cachorro. Suor de cão, que naturalmente não possuíam poros. Os olhos lacrimejavam. Duas lágrimas negras ,petrificadas uma em cada canto do olho, jamais atingiriam o focinho. As pupilas retraídas, tentavam evitar a força dos raios ultravioleta.

De repente, uma matilha surgiu no início da avenida. Veio vindo, veio vindo, junto com as folhas secas trazidas ao vento. Vento de fogo. Fogo da tarde de verão. As árvores agarravam-se aos fios de alto tensão, com se buscassem a morte. A potente descarga elétrica, fatal, e destruidora. Mataria aos poucos. Matariam instantaneamente.  Os dedos macabros, dedos de bruxa, magérrima em suas esquisitices, como se drogada. Os morcegos e pirilampos furtariam a tarde, como quem sobe a montanha. Não se enganasse que fosse esquizofrenia, canina. Ouvia vozes de cachorro. Entenderia conversa de cães, isso só podia ser coisa de cães. Ele, isso não era, ou pelo menos não se considerava como tal. Apesar de incorporar um.

O crepitar do mato queimando. A fumaça subindo até azul real. Escalando os ares e patamares. Uma cadela no cio. Arrastando um bando inteiro de cães pela rua. Dentes avançando pra jugular do primo lobo. Dentes brancos, sangue vermelho. Sangue de cachorro no calçamento. Rosnar de ódio. Olhos injetados de puro ódio. Patas horrivelmente destruidora de tecidos epiteliais, dorso rasgado de canino. Eram pelo menos uns vinte cães, em completa fúria, deliberadamente atacando uns aos outros. Nada escapava ao ataque destruidor. Um pipoqueiro pagou caro a indiferença do ato deles, teve o carrinho derrubado. Flocos branquinhos deitaram ao leito da passarela, dando impressão de um inverno nevado fora de época.

Kira quando menos percebeu estava bem no epicentro do furacão de cachorros, disputando o sexo de única fêmea. Os feromônios falavam mais alto. Sempre eles, no comando da vida. Mordidas e latidos ecoavam rua a baixo. Toda sorte de objetos pelos transeuntes eram atirados nos cães. Panelas replicavam seu alumínio no ventre da rua. Tijoladas, pedradas, chinelos, guarda-chuvas e tudo que estivesse ou se encontrasse ao alcance da mão, atirado contra o ato libidinoso dos caninos. Transar no meio da rua nunca passou pela cabeça de Kira. Pelo menos não enquanto humano. O orgasmo, a volúpia tudo junto, com a gritaria, o xingamento, as imprecações.

Morgana e Seu Teoton, com seus filhos à mesa jantavam. A luz fraca da lamparina, mal iluminava o rosto amarelado ainda mais amarelo das crianças. Os olhares pálidos calados, concentrados no ritual severo da refeição, última do dia. Kira tinha o rosto iluminado, sereno, enquanto mastigava devagar, ia o pensamento pra mais longe, muito longe. Foi parar no rio das ostras, na colônia de férias do ano que completara quinze anos. Nas excurções de férias. Tão boas lembranças vieram. Os primos, os colegas de escola, as brincadeiras que tão boas recordações traziam. Naquelas férias a prima Narda, fora com eles. Prima Narda que tanto povoara seus pensamentos, paixões escondidas, nunca reveladas, desejos sexuais. 

Teve um dia que ficaram os dois sozinhos, na beira do rio contemplando o por do sol. Como é bonito o sertão no fim da tarde, no por do sol. O prelúdio musical são os próprios pássaros, o revoar dos pardais, o cantar seco e triste do acauã.  Os demais colegas já haviam votado pro acampamento, eles ficaram sozinhos. Era a realização de um sonho. Sonho provocado, sonho artificial daqueles que criamos para dar vasão as nossas fantasias. No sonho ela pedia que o abraçasse que estava com muito frio, e Kira providenciaria uma toalha para envolve-la. E abraçados terminariam se beijando, o sonho tinha duas versões pra o final. 

A primeira terminaria no beijo. Era a versão carregada de culpa e de medo dos castigos de Deus. Na outra acabavam fazendo amor. Uma versão muito libidinosa quando os desejos sexuais falavam mais alto. Os instintos selvagens, de cão e de homem sedento de sexo, de amor, de carinho, de ser tão, de sertão. A estrela D’alva lá no céu por testemunha, dizia a lenda, representava a mãe da Lua. Mercúrio, teria traído Vênus esposo da Lua. E por causa disso um duelo entre os dois teria acontecido, e que acabaria gerando a resplandecente Via Láctea. Por muitos anos Narda seria sua musa, sua fonte de inspiração, até quando cresceria e tornar-se-ia adulto.

Kira penetrou a cadela, com destreza e rapidez, a montou. Indiferente a tudo e a todos, fez amor canino, em plena via pública. O ato sexual entre cães, estaria para os humanos, como ato mais despudorado entre sexo feito entre animais, que se possa presenciar, em via pública. Os olhos dos passantes pareciam não quererem sair de lá, disfarçavam mas indubitavelmente voltavam  pra lá. Acompanhavam, cheios de luxúria, o amor desenxabido dos caninos. Na verdade todos ávidos por sexo, cães e humanos. 

Excitação dos meninos inflamando seus sexos dentro dos seus shorts jeans, molhando de gozo as calças. Interessante como a plateia se dividia, entre vagabundos que literalmente aplaudiam, mendigos e moradores de rua, e os que rechaçavam o ato passantes e lojistas. A sociedade, sem o entender se expunha naquele ato, algo que pra alguns, só e somente só, devia ser concebido as escondidas entre quatro paredes, os cães a faziam em público. Os demais cães aguardam o desfecho, igualmente aguardavam os homens a porta da taberna que olhavam e disfarçavam. E como disfarçavam mal, aproveitavam pra comentar sobre o tempo, contemplavam o céu, folheavam o jornal.

Fabio Campos, 19 de outubro de 2019.



POESIA: DOMINGO

POESIA:                                                 DOMINGO


VÃO-SE OS DIAS DE LAZER
OS NOSSOS DIAS
MAS FICA O DOMINGO
DOMINGO QUE NOS LIBERTA
QUE NOS TIRA DA ROTINA
DO DIA A DIA
DOMINGO QUE NOS DESPERTA
PARA UMA CAMINHADA
PEQUENAS VIAGENS
DOMINGO QUE NOS LEVA
A VISITAR UM PARENTE
OU UM ASILO DE VELHINHOS
DOMINGO QUE REÚNE FAMÍLIAS
E QUE TODO O MUNDO É ESSA FAMÍLIA
DOMINGO QUE TRÁS SOSSEGO
ALEGRIA, DISTRAÇÃO, PAZ
DOMINGO É PAZ
PAZ NO CORAÇÃO DOS HOMENS
DOMINGO É O DIA
QUE FAZ ESQUECER
A SEGUNDA-FEIRA
E QUE FAZ LEMBRAR
AS COISAS BOAS DE NOSSA VIDA
E POR ISSO VOLTO A ESCREVER
DOMINGO DIA SANTO!

SANTANA DO IPANEMA-ALAGOAS, 20 DE OUTUBRO DE 2019.
POESIA FEITA A 40 ANOS ATRÁS, EXATAMENTE EM; 15 DE OUTUBRO DE 1978. PURA COINCIDÊNCIA, ESTOU PASSANDO POR UM MOMENTO TÃO, TÃO DIFÍCIL, A PERDA DE MINHA MÃE. ASSIM COMO EU DIGO NA POESIA: "E POR ISSO VOLTO A ESCREVER"

DINEUSA BEZERRA, ADEUS (ATÉ BREVE) LINDA GUERREIRA



“Onde está ó morte, a tua vitória? Onde está ó morte, o teu aguilhão? Coríntios 1-15:55”

O ano, era o de 1926. O mês janeiro. No dia 22, uma sexta-feira, nascia em Olho D’água das Flores, Dineusa Bezerra Campos. A primeira filha do casal, Amância Bezerra de Sá, e Tomaz Dorotheu Silva. O sertão aos poucos, se recuperava duma seca braba que durara de 1919 a 1921. Os tempos de amargura, aos poucos iam ficando para trás. Presidia nosso Brasil o advogado e político brasileiro, Artur da Silva Bernardes(PRM). Governava nosso estado de Alagoas, Pedro da Costa Rego(PDN). Olho d’Água não era cidade ainda, pertencia a vizinha freguesia de Santana do Ipanema. No sábado 23, a casa dos Bezerras certamente ficou cheia de parentes, principalmente mulheres. Todos queriam conhecer a primeira herdeira da família. A primeira filha da agricultora Amância, e do barbeiro Tomaz. Orgulhosos por terem tido uma menina saudável, que cresceria rapidamente em estatura e conhecimento. Levaram-na a pia batismal da igreja matriz de Santo Antônio de Pádua e lhes dariam o nome de Dineusa Bezerra da Silva. O batismo de Dineusa foi presidido pelo padre Bulhões vigário geral da paróquia de Senhora Sant'Ana. Os primeiros contatos com as letras, a menina teria dentro de casa mesmo, de um primo chamado Manoel Bezerra, que lhe ensinou o alfabeto. Manoel formado como professor de ensino Normal. Escrevia cartas para as pessoas que não sabiam ler, e recebia pagamento pelos seus serviços. Dineusa frequentou escolas de fundo de quintal, de professoras que sequer recebiam salários, do tempo de dona Adélia e Seu Canuto, prósperos comerciantes daquele lugar. Mais tarde, já moça se enveredaria pelo caminho do primo, e também ensinaria tudo que aprendera às crianças pobres, que não tinham como frequentar escolas. Dineusa teve ainda, mais dois irmãos: Maura que nasceu em primeiro de fevereiro de 1931, e Dorival Bezerra que nasceria em 19 de julho de 1942. Dineusa em tom de galhofa dizia: “-Lá em casa tinha festa o ano inteiro: Eu sou de janeiro, Maura de fevereiro, meu pai é de março (25 de março), e minha mãe de abril (13 de Abril), só Dorival que não acompanhou a gente, e veio em julho!” Sobre seus irmãos, vejamos alguns episódios que marcaram a vida de Dineusa: nuns dias quaisquer do ano de 26, quando o cangaceiro Lampião e seu bando espalhava medo e terror pelos sertões alagoanos, a família Bezerra teve que sair de casa, às pressas várias vezes, pra não serem mortos pelo bandoleiro e seu bando, que invadira Olhos D’Água. Ficavam dentro do mato por horas e até dias até passar o perigo. Certa feita a criança Maura de apenas sete anos, brincando, ao passar embaixo de um fios de arame acabou se ferindo na barriga, daí quando perguntavam-lhe o que tinha sido aquilo, respondia: “-Foi Lampião.” Tomaz Dorotheu noutra ocasião, teria sido feito refém pelo bando do cangaceiro, mas conseguiu fugir, ainda em terras alagoanas. O nome de Dorival para o irmão, foi sugerido por minha mãe Dineusa, que guardava uma revista com uma reportagem do cantor baiano Dorival Caymmi, que já despontava como grande cantor e compositor no tempo que Dorival Bezerra nasceu. Na rua que a família Bezerra morava, ficava a delegacia de polícia, e tempos depois a câmara municipal, daí passaria a ser denominada Rua da Assembleia. Também logo adiante ficava a casa do padrinho de batismo de Dineusa, Seu Pizeca, que além de casa de morada era também pensão. Certo dia, vindo de Santana do Ipanema, hospedou-se na pensão de Seu Pizeca o padeiro João Soares. A moça Dineusa ficava a janela de sua casa e via-o passar todos os dias. Os dois passaram a trocar olhares. E um dia João Soares aproximou-se da janela e perguntou: “-Você aceita uma carta minha?”. Dineusa respondeu: “-Aceito.” Desde então passaram a corresponder-se por carta, que era como se namorava naquele tempo. João Soares pouco tempo depois em ato solene, visitaria a residência da família Bezerra, para pedir oficialmente a mão da primeira filha do casal Amância e Tomaz, em casamento. Pedido feito, pedido aceito, casamento marcado. Um dos ilustres convidados a festa de casamento do casal Dineusa Bezerra e João Soares foi o escritor e comerciante santanense Bartolomeu Barros, que confidenciou-nos: “-A festa durou três dias, foi muita bebida, muita comida. Moças e rapazes dançaram ao som de um sanfoneiro que tocaria por três dias.” Dineusa Bezerra quando casou contava com a idade de dezoito anos, corria o ano de 1944. Uma vez casada, Dineusa veio morar em Santana do Ipanema. A travessia do rio Ipanema foi difícil. Dineusa não sabia nadar, tinha medo de muita água junta, o rio Ipanema estava em toda largura, a travessia foi de canoa, e como balançava! Inicialmente o casal foi residir no Largo São Cristovão, ao lado da igreja de mesmo nome. Depois foram para a rua Benedito Melo, onde provavelmente nasceu, em 07 de novembro de 1945 o primeiro filho do casal: Francisco Soares Campos. Nesse tempo era comum os tangedores de jumento irem pelas ruas vendendo água do Panema. Eram eles que abasteciam as casas de Santana com água do Panema. Energia elétrica, estava chegando ainda. Vez outra traziam Francisco, menino pequeno, que escapulia pro rio Ipanema. Vinha atravessado na cangalha entre as ancoretas: “-Dona Dineusa, Olha o menino!” Tempos depois, se mudariam para a rua do comércio, próximo a igrejinha de São Sebastião, que ainda hoje existe e fica em frente a matriz de Senhora Sant’Ana. Um fato pitoresco ocorreu nesta residência, que ficava mais ou menos onde hoje localiza-se o estúdio fotográfico Sabugo Fotografias. Uma tarde de verão, mamãe sentada a porta, Francisco numa rede se balançando e de repente ela percebeu um boi, que veio vindo da beira do Panema, ia entrar de casa a dentro, pelas portas do fundo. Mas o susto e os gritos dela fez com que o boi fugisse. Nesse tempo nasceu o segundo filho do casal: Silvano, nome este inspirado num personagem dum romance que João Soares teria lido. Esse filho, porém, como dizem aqui no sertão, não vingou. Vindo a falecer com poucos meses de idade. Finalmente a família se mudaria para o Largo do Monumento. A casa de número 247, localizada à Praça da Bandeira (atualmente dr. Adelson Isaac de Miranda) se tornaria a residência definitiva da família Bezerra Campos. A época, alguém comentaria com papai: “-João Soares, agora vai morar em bairro de burguês!”. Ali nasceriam: Fernando Soares Campos (16.12.1949 ), Maria Selma Oliveira Campos (01.09.1958), Fabio Soares Campos (17.05.1960), Sérgio Soares de Campos (11.11.1961) e Maria Simone Bezerra Campos (28.12.1965). João Soares, se tornaria grande comerciante. Aos 68 anos de idade seria vítima de um AVC. Vindo a falecer em consequência disso, no dia 06 de setembro de 1976. Seu sepultamento, sob forte comoção dos familiares, ocorreu no dia 07 de setembro daquele ano. Dineusa mãe de família educou sua prole, em todos os sentidos, foi mãe dedicada, no lado religiosos mais ainda, católica fervorosa, devota de Nossa Senhora, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, e de Senhora Sant'Ana. Participou ativamente, por mais de meio século, do Coral da igreja matriz de Senhora Sant'Ana, iniciando com o Cônego Luiz Cirilo Silva até pouco tempo atras, com o Monsenhor Delorizano Marques. Dineusa Bezerra uma lutadora incansável. O filho Sérgio Campos fez belíssima composição musical em sua homenagem, ainda ela com vida, que diz: [Refrão]: Guerreira linda guerreira/ A flor mais bela de nosso lindo jardim/ Guerreira Linda Guerreira/ Inspiração divina flor deste jardim. [ últimos versos]: Todas as pedras que pairaram em seu caminho/foram usadas para sua evolução/ Filha, irmã, esposa amiga devotada. És um exemplo em sua comunidade/Deus saberá compensar sua jornada/ Pois sois pra nós uma mãe abençoada.” No último 14 de outubro de 2019,aos 93 anos de idade Dineusa Bezerra, infelizmente, nos deixou... Quanta dor, entre os que ficaram. Saudade aperta-nos tanto o coração. Fica aqui o seu legado, entre filhos, irmãos, sobrinhos, netos, bisnetos, tataranetos (trinetos) genros, noras, afilhados, afilhadas, amigos, parentes, enfim todos e todas que um dia tiveram a oportunidade de conhecê-la. De conviver, compartilhar de sua presença. Cabe a nós que com ela vivenciamos, e com ela muito aprendemos, darmos continuidade ao que Dineusa Bezerra nos ensinou, com seu exemplo de humildade, e que nos transmitia serenidade, paz e amor. Adeus Linda Guerreira! Não digo até nunca mais. Digo, Até breve.

Fabio Campos, 19 de outubro de 2019.


Poesia SECA 1978





























POESIA. TÍTULO:            SECA...

SERTÃO...
SER...TÃO...
TÃO SECO...
TRISTONHO...
TERRA...
SEM SONHO
SEM ESPERANÇA...
ESSA PAISAGEM...
PAISAGEM?
NEM PAIS... NEM AGEM...
É SÓ...SOL
AS CASAS DE TAIPA
VISTAS ASSIM
PARECEM TREMER 
DEBAIXO DO SOL
SOL QUENTÃO...
PARECE ATÉ
QUE TUDO PEGOU FOGO
TUDO É COR DE CINZA
ATÉ MESMO AQUELA CASINHA
NÃO, NÃO É APENAS IMPRESSÃO
É COR DE CINZA MESMO...
ACHO QUE PINTARAM ASSIM
PRA COMBINAR COM A CENA
A CAATINGA...
O CALANGO SARDÃO, O MANDACARU
UMA COBRA SE ARRASTA
UM ANUM NUM GALHO SECO
UMA CARCAÇA DUM BOI OS URUBUS
TUDO É...TÃO TRISTE
NAS VEREDAS TUDO CALADÃO...
TÃO TRISTE
TUDO É SEM CORAGEM
PRA VIDA O CARCARÁ
EMITINDO SEU ASSOBIO
NO ALTO DO TRAPIAZEIRO...
LÁ LONGE O BALAR DUM CHOCALHO
ACOMPANHA A MARCHA DO GADO
O SOLO PARECE QUEIMADO
ESSE SILÊNCIO...
PARECE ATÉ QUE O AR 
ESTÁ PARADO
NÃO PARECE REALMENTE 
ESTÁ...
O AR PARADO...
TERRA.
SEM SONHOS
SOL QUENTÃO
ABRASADOR 
LÁ LONGE LAMENTOS
PROMESSAS E CANTOS
DE REZAS
UM ESTALO DE MATO SECO
QUEBRANDO
VEM ALGUÉM
PRAGUEJANDO
IMPRECAÇÕES QUE PARECEM
UMA CANÇÃO
OU UMA CANÇÃO QUE PARECE
LAMENTAÇÕES
VEIO VINDO
CHEGANDO ATÉ CHEGAR
MONTADO NUM CAVALO MAGRO
UM CACHORRO AMUADO
CHEIO DE MOSCAS...
É UM CABRA MACHO NO SERTÃO
MONTADO EM SEU ALAZÃO
NA CINTURA UM FACÃO
É O HERÓI DA NARRAÇÃO
TIROU TUDO DA SOLIDÃO
DEVOTO DE "PADIM" CIÇO RUMÃO
É DA TERRA, MEU IRMÃO!
OLHO PRA LÁ...OLHOU PRA CÁ...
NÃO SEI SE DESPREZA
NÃO SEI SE SENTE PENA
SE TEM MEDO...
DISSO TUDO
SEGUIU ATÉ A FRENTE DUMA CASA
NO ALPENDRE APEOU...
QUERIA ÁGUA...ÁGUA?
ISSO MESMO, FOI O QUE OUVI
CONVERSAVA COM O DONA DA CASA
AGORA
EU PERGUNTO A MIM MESMO: POR QUE?
POR QUE? ESSA TRISTEZA...
ESSE SOFRIMENTO
DESSE POVO
ÁGUA...
ME DÊ UM POUCO D'ÁGUA...
HÊ ÁGUA...
SOA ESTRANHO. 
NÃO SOA NATURAL. SOA SECO
POR QUÊ?
ESSE SERTANEJO
É TÃO SECO
SERIA PRA SE CONTENTAR
COM A SORTE?...
DE QUEM ERA A CULPA?...
MAS NÃO HAVIA CULPA
SÓ HAVIA POEIRA
POEIRA VERMELHA
SERTÃO RACHÃO...
LÁ LONGE IAM  UNS RETIRANTES...
RETIRANTES AONDE VÃO?...
VOCÊS NÃO TEM DIGNIDADE?
MORRE AÍ MESMO...
ONDE NASCESTES E FOSTES CRIADO...
ANTES (COM RAIVA) PERGUNTE
PERGUNTE (GRITANDO) AO SOL 
PERGUNTE AO VENTO
O QUEREM DE NÓS? (VOCÊS)
ESTÁ LANÇADA A SORTE!
POR QUE?
PORQUE É NESSE CHÃO RASGADO
RACHADO, SANGRADO...
QUE VAIS DERRAMAR TEU SANGUE!
SE HOUVER, ONDE HOUVER
UM PONTO VERDE (UM UMBUZEIRO)
O SOL VAI LANÇAR SEU OLHAR
VAI COBIÇAR
DEIXE...DEIXE ACONTECER...
FOI TU QUE O FEZ
E O QUE O HOMEM FAZ
PODE SE ACABAR
SE DESFAZER
MAS O QUE DEUS FAZ
HUM! TÁ FEITO!
DE NOVO O CHOCALHO
O BALIR DA OVELHA
O SOL VAI SE DEITANDO
NO HORIZONTE
(PREMEDITANDO UM AMANHÃ)
O VAQUEIRO SAI CANTANDO
SUA REZA, SEU LAMENTO...
AO SOM DE UM VIOLÃO.

POESIA COMPOSTA EM 04 de Julho de 1978. By FABIO CAMPOS 40 anos atras.