Era uma árvore frondosa. Seu tronco era robusto, lenhoso, de casca enrugada e escura. Como quem já muito vivera. Havia algumas cadeiras, uma mesa. Sobre a mesa bebidas e comidas. Vinhos, cervejas, iguarias de aves, petiscos de grãos. Alguns homens sentados em cadeiras um pouco afastados da mesa, entretidos, Jogavam dominó. Senhor Djalma olhou pra copa da árvore e viu, seres alados, borboletas, mariposas, e outros não tão simples assim. Viu, nos galhos mais altos, pessoas enforcadas. Balançavam ao vento. Os pés apontando pro chão. Havia um silêncio sepulcral, de uma dessas tardes em que morre gente.
Senhor Djalma, iniciando uma conversa, disse: Daqui por diante, só viverei a verdade. Um homem de paletó branco, que estava em pé próximo aos que jogavam, olhou-o e sorriu. Não deu pra entender aquele sorriso. Se de desdém, ou apostava no contrário. Senhor Djalma prosseguiu. Sepultei meus irmãos, juntos com minha mãe. O homem de branco, ficou sério. E perguntou o que ele esperava que ia acontecer, dali pra frente? Senhor Djalma ficou mudo. Lembrou que seu pai, um dia lhe fizera aquela pergunta.
A partir dali, teve uma convicção, que não mais acreditaria em tudo que visse a sua frente. A exemplo das pessoas enforcadas, penduradas, na árvore, pareciam bolas de natal. Ao todo, quatro era número de pessoas: uma mulher, um velho, e um casal de crianças. Teve certeza de que os via. Só não queria acreditar de qualquer jeito. Mas tudo estava lá. A mulher pendurada pelo pescoço, abriu os olhos, e virando a cabeça em direção ao senhor Djalma disse: Pois o senhor devia sim, acreditar no que está vendo! Pois somos tão reais quanto vocês aí embaixo. Por acaso estaria interessado em ouvir minha história? E se desvencilhando do laço no pescoço, sentou-se num potente galho. E iniciou a contar sua história. Começou dizendo que morava com o homem enforcado ao seu lado, naquela casa ali. E apontou pra choupana, à poucos metros de onde estavam.
Este velho que você está vendo aqui, pendurado, todos os dias ele bebia. E bebia! E tratava mal, a mim e a seus filhos. Eu sabia, que aquilo não ia acabar bem! Certa vez ele foi a vila, e voltou ainda mais bêbado, e ainda mais bravo, que os outros dias. Já era noite. E dava baques na mesa, os filhos amedrontados fugiram para se proteger nos arbustos, no entorno da casa. O velho Jeremias neste dia, estava com um espírito mal no corpo. Ele foi até o terreiro, e deu um tiro de revólver num pato. E trouxe-o pendurado pelas patas pra dentro de casa. O sangue pingava no chão, nas paredes, pois ele o sacudia furiosamente, dizendo palavras contra mim, sujando a casa toda de sangue! E disse que estava com vontade de comer pato! E queria que eu cuidasse daquele, imediatamente. E tinha que ser ligeiro!
Então, começou, a depenar o pato dando mordidas na pobre ave morta! Espalhando penas de pato pela casa toda! As crianças, lá no meio do mato escondidas. Então ele, gritava chamado por elas: Cecília, Pedro! Onde estão vocês? Seus pestinhas! Se não aparecerem aqui agora, vou pegá-los! E pode ter certeza que vou matá-los! Apavoradas as crianças não atenderam, ao maldito chamado do velho Jeremias. E ele foi em seus encalços...Até os encontrar. E trouxe-os arrastando pelos cabelos pra dentro de casa. E batia, e batia nos dois. Descarregava todo ódio que sentia, nessas pobres crianças. E dizia que seus filhos, era o atraso de sua vida... E bateu, e bateu, até que decidiu, ia matá-los. E os enforcou bem aqui, onde o senhor mesmo está vendo. Daí não suportei ver aquela atrocidade, saquei a espingarda, e dei-lhe um tiro de calibre doze, bem no meio dos peitos, que quase partiu o velho ao meio!
Depois, eu mesma o arrastei e o pendurei aí, para que ficasse junto dos filhos. E fiquei remoendo esta desgraça ocorrida na minha vida. Depois de muito pensar, eu decidi que não ia conseguir continuar a vida sozinha. E com minhas próprias mãos vim unir-me a eles. Neste instante o velho abriu os olhos, levantou a cabeça, pro céu, e virando-a para o senhor Djalma, disse: Essa é a versão dela. Se o senhor não se incomoda, vou tomar mais um pouco do seu tempo. E lhe contarei a verdade.
27 de Julho de 2020.
A ilustração deste capítulo, é uma foto da capa do disco (Long play) da Banda britânica Pink Floyd "The Dark Side of the Moon" (produzido entre janeiro de 1972 e junho de 1973)