A Praça Cap. 13

 




Senhor Djalma avistou a praça, pareceu-lhe tão abandonada. As árvores, soltavam folhas secas que se acumulavam nos canteiros, ou iam levadas pelo vento. Folhas tristes, desprezadas, esquecidas. O vento que soprava, era um vento seco, vento de veraneio. E vinha trazendo uma areia fina pra cima das eiras e beiras das casas, pra cima dos batentes da igreja. Acinzentava as curvas do sino. Amarelava as folhas. E vinham pra cima da roupa. Trazia silêncio, serenidade, sabedoria. Ensinava, e lembrava que somos pó, e que  ao pó um dia retornaríamos. Dava pra ouvir o cansado som do chocalho de uma vaca. Era a vaca vermelhinha, que vinha tangida por Pedro, o menino azul. Mas o que Pedro estaria fazendo ali na praça, àquela hora? Esquecera que os mortos podiam ir pra onde quisessem, sem se preocupar com hora de voltar. Aliás, nem tinham pra onde voltar. Essa era a vantagem de quem morria, de ficar vagando. De não ter pra onde voltar.

A menina amarela, Cecília, também estava lá. As duas crianças brincavam na praça, enquanto a vaca vermelha, pastava o capim do canteiro. Senhor Djalma se aproximou. Cecília tinha o olhar fixo em Pedro. Ela sentara-se na borda do canteiro. Senhor Djalma sentou-se no banco mais próximo que havia. Tentou puxar conversa. Sem tirar os olhos de Pedro, a menina disse:  Ele na verdade chama-se Cássia. Senhor Djalma, quedou surpreso! E perguntou, o que a menina realmente havia dito? Ela repetiu, Pedro, na verdade, era uma menina e chamava-se Cássia. O velho Jeremias nunca aceitou que naquela casa só tivesse mulheres, ele queria um menino para ajudá-lo na lida do campo. E desde os quatro anos de idade, Cássia teve que vestir roupas de menino, cortar o cabelo como menino, e dali por diante se chamaria Pedro, mesmo sendo uma menina.

A vida tornou-se ainda mais dura para a pobre Cássia, tinha que acordar cedo pra cuidar de gado, ir pra roça junto com o velho Jeremias. Tinha as mãos calejadas, adquirira musculatura rija, braços de varão. Perdera a delicadeza, a feminilidade de menina, dando lugar a bruteza da masculinidade, aflorada por conta do trabalho pesado. A cada inverno tinha que enfrentar o frio da madrugada. No verão o calor sufocante dos campos. No tempo de colheita trabalho duro. Até que aconteceu aquele dia. Fui ver a vaca “Vermelhinha”, que é como nós a chamávamos. “Vermelhinha” estava prenhe, já em dias de parição. Ao chegar no curral percebi que a vaquinha querida do velho Jeremias, tinha se iniciado no trabalho de parição. Pedro correu a avisar ao velho, que ficou muito animado, e decidiu que aquilo merecia uma comemoração!

E se pôs a beber. Ouvimos tiros para o lado do curral, e fomos ver o que era. O velho Jeremias atirava a ermo, o revólver numa mão, e um litro de cachaça na outra. Um de seus tiros acabaria matando um pato. Ficamos, junto ao curral até o bezerro de “Vermelhinha” nascer. E discutimos que nome dar ao bezerro, se chamaria Rio Pardo ou Rio negro.  Acontece que o bezerro nasceu morto. Talvez o susto dos tiros fizeram a vaca perder a cria. Talvez outro problema qualquer, causou a perda da cria.

Acontece, que o velho Jeremias ficou muito irritado, e disse que a culpa da perda do bezerro era nossa! Minha e de Pedro, no caso minha irmã Cássia. E disse mais, que não éramos filhos legítimos dele. Éramos fruto de traição de nossa mãe Marta, sua esposa infiel. Na sua ausência deitava-se com Paulo o marido de Suzana sua cunhada. O velho Jeremias descobrira que era estéril, e por isso odiava-nos. Cheio de fúria disse que ia matar a mim e a Pedro, na verdade uma menina, e chamava-se Cássia!

Ele nos amarrou, e nos sufocou com suas próprias mãos. Ao sair da casa e ver a nós, eu e Cássia  suas duas filhas mortas. Nossa mãe Marta, entrou em casa, se apossou da espingarda e deu um tiro de doze a queima roupa no velho Jeremias, que morreu na hora. Ao cair da noite, Paulo apareceu. Ao tomar conhecimento do fatídico acontecimento, maquinou um plano diabólico, que logo pôs em prática. Deu uma facada no pescoço da nossa mãe Marta, e pendurou todos os corpos na árvore. Suzana tornou-se legítima herdeira da propriedade. E a verdade, sobre a morte de todos nós os enforcados nunca ninguém além do senhor ficou jamais sabendo. A história que a maioria das pessoas sabe e que prevaleceu até hoje, seria a que o velho Jeremias tivera um surto de fúria, e bêbado matou a todos nós, e se matou. A propriedade amaldiçoada, ficou conhecida como o Sítio da “Árvore dos Enforcados”.

17 de Agosto de 2020.

 A ilustração é foto da capa do long play de Jorge Ben "A Tábua de Esmeralda" de 1974.

  




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