Jogo, Vida.... Cap. 14



Era uma avenida espaçosa, completa de casas noturnas. Os luminosos convidativos anunciavam prazer, à venda. A sensação proporcionada pelo álcool, era de leveza. O dia todo caminhara pelas ruas. Pelas ruas enevoada de luz frugal, vagara. Percebeu que ali próximo morava um amigo. Resolveu ir até lá. Ele o recebeu efusivamente. Comentou sobre seu aspecto, oposto de jovial. Ficou sem jeito. Resignado, aceitou a brincadeira. Concluiu que um amigo era pra isso, pra dizer a verdade, ainda que doesse. Teve oferecida uma dose de um uísque. Aceitou. A bebida tinha gosto de uma fruta exótica. Jamais esqueceria o gosto daquele uísque. Porém se alguém perguntassem não lembrava a destilaria que engarrafara. Excepcionalmente guardara o degustar da primeira dose. De modo especial a tomara. Continuaram bebendo.

Vivia momento ímpar, o que a música na vitrola beneficiara. Tinha luz alaranjada, em todo o ambiente. Uma luz terna, envolvente. Melodia familiar, que remetia a outros tempos. Da época que viveram aventuras juntos, viajaram juntos, com outros amigos. Algo o incomodava, não lembrava daquele amigo na viagem que ele fazia questão de lembrar, porém outros rostos ficaram. Outros sorrisos. Outras palavras, e brincadeiras. O amigo, no entanto, via-o com muita nitidez. Lembrava em especial dele, e vivia cada momento como se estivesse vivendo naquele instante. E dizia, que aquele reencontro fora providencial, daria para brindar, encontros de tempos idos. No íntimo senhor Djalma quedava-se constrangido, surpreso, por não ter guardado com tanta ênfase, as lembranças, ao qual o amigo guardara, e dava tão grande importância. Intimamente lamentava, não ter guardado com o mesmo sentimento que o amigo guardara.

Lembranças outras foram chegando. Não eram lembranças de quando estava com ele. Mas naquele instante lembrou de momentos graves em que se meteram em confusão. Facilmente metiam-se em ciladas, e de como sairiam ilesos delas. Parecera simples aventuras. Porém, olhando de volta pro passado, dava pra ver que alguns envolvimentos foram muito sério. Depois de tanto tempo, certas ocasiões, reviver que com aquele amigo escapara da morte até. De se envolverem sério, com gente barra pesada.

De ameaças com canivetes e corridas nos becos escuros. E de não ter tempo de indagar o que estaria acontecendo. Só ter que correr, e correr, salvar a pele. Viver vida perigosamente. Sem se preocupar com isso. E se valia a pena? Isso não estava nos planos se perguntar. Na ocasião, enquanto ocorriam os fatos, não vinha ao caso questionar, apenas vivê-los. Anos depois, talvez valesse a pena. Rindo ele lembrou de um dos episódios, em que o amigo se envolvera com um gigolô que queria matá-lo, por ciúme de uma prostituta. Desdenhava, dizendo que não tinha medo de morrer. Não à época. Continuou se encontrando com a mulher alheia. E que acabaria dando no que dera. Brigas, socos, pontapés, e fuga.

Olhar a mar a noite causava arrepio. O mar, a noite virava um monstro, debatendo-se entre a vida e a morte. Imenso monstro marinho, agonizando na praia. Ver o mar de noite causava calafrios. Mexia bem lá dentro da alma. De dentro do mar, vinham as almas de quem já morrera. Vinham vindo, descansar na praia. E procuravam se achegar perto dos vivos, tentando angariar um pouco de calor humano. Infelizmente não tinha o calor de que necessitavam. Eram igual. As poucas luzes dispersas na ilha da croa. Palitos de fósforo acesos, que debatiam contra a neblina, contra o negrume da noite luta insana contra a maresia. Os coqueiros dormiam, as casas rudes cansadas, sonolentas, conversavam coisas do dia. E de muito longe, muito longe. Como se fosse sonho, vinha o som de tambores, como se a noite tivesse o poder de ressuscitar as senzalas, as rezas, os cânticos das negras e dos pretos velhos, em torno de uma fogueira.

Sob a luz vermelha do cabaré, todo mundo tornava-se bonito, ou aparentemente bonito. Debaixo da penumbra tudo era sedutor, tudo era sensual. Tudo tinha um preço, tudo tinha um valor. A carteira de cigarro, propositalmente ostentada no bolso da camisa. Estratégia para uma aproximação. Nem toda as raparigas eram fumantes, mas no processo de sedução, para se envolver com um homem, elas se aproximavam e pediam um cigarro. Se o cara estivesse a fim daquela mulher, o cigarro seria dado, junto com o isqueiro prontamente aceso, um flerte. Aproveitava fazia um elogio. Perguntas envolventes. Se não estivesse a fim que se virasse pra acender. E uma pergunta inevitável, os custos: Quanto custaria ficar com ela? Todo homem, toda mulher tinha um preço.  Quem já amanheceu num cabaré sabe, no dia seguinte o ambiente já não tinha o glamour da noite anterior. 

Passou por um corredor escuro que ia dar numa sala de paredes sujas. Cheiro forte de carne crua, havia sangue no chão. Uma mulher estava deitada num sofá. O rosto estava virado para o lado da parede. Não tinha como ver seu rosto. Alguém comentou: Parece quer essa mulher está é morta!

24 de Agosto de 2020. A foto que ilustra este capítulo é a capa do long play "Frank Zappa and The Mothers" by 1974.






 

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