Sorte Cap 12


Senhor Djalma, queria saber que julgamento fazia dele, aquele cachorro que o olhava com tanta insistência. Nada tinha para oferecer-lhe. Por acaso estaria exalando algum cheiro que o atraía? Na verdade, fazia alguns dias que não tomava banho. Pensou em enxotá-lo, desistiu. Lembrou que a reação do cão poderia ser pior. Olhou pro céu. Havia um lá. Era imenso, só comparado ao mar. Imaginou, se aquilo tudo, lá, acima das cabeças das pessoas fosse água? Uma água plasmada. Enquanto que, cá embaixo estivéssemos todos no fundo de um magnífico oceano. E ao morrer? Conseguiu ver as almas das pessoas que morriam, subindo à tona. Imaginou-se flutuando, subindo do chão. E sentiu-se leve. 


De repente, se encontrava no meio da feira. No meio da feira, as almas esbarrariam umas nas outras? A algazarra, conseguia afastar os anjos da guarda das pessoas. Eles ficavam pendurados, suspenso nas árvores, nos topos dos telhados mais altos, esperando que que seus protegidos acabassem logo aquilo. E seguissem seus caminhos. Senhor Djalma quis ter a certeza que estava no mundo dos vivos. E propositalmente tentou esbarrar em alguém. Quedou surpreso, ao perceber que não se chocava com os corpos! Traspassava, a todos. A música da bandinha de pífanos o envolveu. Agarrou-o e levou-o. Levou-o a quermesse a que convidava para logo mais a noite. O santo com sua cara de cera, ignorava-o, sério.

Por outro lado, a balburdia, o burburinho, tinha o poder de atrair os demônios. Era fácil vê-los andando entre as pessoas. Puxavam a barra das saias das mulheres, davam tapas nas orelhas de alguns homens, faziam redemoinhos, chutavam traseiros de meninos. Derrubavam cestos de frutas, legumes, escondiam a faca do peixeiro. Tomavam cachaça e riam com os bêbados. Tudo o que pudessem fazer pra conseguir discórdias, contendas, desavenças. Ah! qualquer coisa fariam. 

A feira, a um olhar desatento, pareceria uma bagunça, uma coisa desordenada. Mas tudo, naquele formigueiro humano, estava traçado. Encontrar ou desencontrar pessoas. Perder, ou encontrar dinheiro, a bolsa. As vendas, as compras, os roubos, os furtos. Tudo meticulosamente decidido. Os pecados, com seus endereços e destinatários certo. Assim como as virtudes, a esmola pro cego, que não era cego. A ajuda inusitada a alguém. Senhor Djalma conseguiu desvencilhar-se do cão. 

No entanto deparou-se com algo que considerou ainda mais estranho. Uma vaca amarela, que seguia a sua frente. Ficou observando-a. Viu um menino, azul, que a conduzia. Andavam rápido, de modo que ele teve que apressar o passo para alcançá-los. Acabou perdendo-os. O chocalho da vaca persistia, longe. Chamando-o. Senhor Djalma, ligado no menino e na vaca, sem perceber entrou numa ruela, aonde nunca mais tinha ido. Quem sabe nunca estivera ali. Havia sobrados velhos, que se envergavam como se fossem cair. Como se olhassem para ele, e quisessem abraçá-lo, de tanta saudade que tinham. Ali, a luz do dia esmaecia, parecia que estava anoitecendo. Mesmo na manhã. O dia ficava pesado, sujo, desbotado. Talvez fosse ali, um submundo. Havia casas de jogos, bordéis, cassinos, bares. Não se via uma única casa de família. Talvez lá nos fundos dos cabarés, vivessem famílias. Lá nos bastidores uma realidade familiar. Enquanto que na fachada se ofertava um mundo de sonho, jogos, fantasias. Mas voltando de lá do fundo, tão lá pro fundo. Tudo o que se via parecia muito grotesco, desumano. As pessoas seriam de verdade? Havia roupas, penduras em varais improvisados, roupas íntimas, de prostitutas. Havia porcos, chafurdando os esgotos, cheiro forte de lama, no meio da rua. Charretes passavam indiferente a tudo. Como se as rodas de ferro sequer tocassem o solo desvalido. 

Havia uma casa de jogo do bicho. A pintura dos animais da roda, enfeitava a entrada. Tão circense cena! Entrou, e tudo pareceu tão familiar. Encontrou seu pai, numa banca de pôquer. Entretido no jogo, não o via. Lembrou de muitas vezes ainda criança estivera ali. E importunava-o pedindo dinheiro pra comprar doces, no carrinho de quitutes lá fora. E o pai, dizia pra que ficasse quieto e não o interrompesse. Insistia porém para que ficasse ali perto, pois tinha sangue bom, e lhe trazia sorte. 

07 de Agosto de 2020. A ilustração desse capítulo, é foto da capa do disco Long Play da Banda QUINTETO VIOLADO (1982).

 

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