Como um Filme... Cap 17



Senhor Djalma adentrou a barraca da velha Celina. As cores viva, as estampas alegres, contrastava com o verde do mato, com o tom pastel da areia do rio, onde fincada estava a nômade morada. Ela puxou conversa, disse que quando ele a visse nua, não precisava se masturbar. Sempre que precisasse era só falar, que o aliviaria sexualmente. E sublinhou dizendo que a masturbação enfraquecia o homem. Negra gabola, disse ainda que apesar da idade, conseguia satisfazer qualquer homem na cama. Visivelmente desconsertado, o rapaz agradeceu a gentileza. Mentalmente dizia pra si   mesmo, jamais iria pra cama com a concubina de seu pai.

Celina saiu da barraca, a acudir alguns afazeres. O moço, sem saber ao certo por que estava ali, deitou olhares sobre o lar de um vão só, da mucama. No pequeno móvel de cabeceira viu que havia um porta-joias, com tampa de madrepérola, ornada de falsas pérolas. O formato era de um crustáceo. Abriu. Dentro, diversos colares e pulseiras, quase sem valor. De repente um pingente chamou-lhe atenção. Um crucifixo de ouro, dezoito quilates, pequeno, pesava algumas gramas. No entanto de valor inestimável.  Tinha-o em valia, mais que todas as bijuterias que ali estavam. Conhecia aquele objeto, pertencia a sua mãe. Não queria acreditar, que seu pai, o tivesse dado a negra Celina. Achava mais provável que ela o tivesse roubado.

Naquele momento o que mais queria era entender porque a pessoa, o ser mudava tanto, desde a juventude a velhice. Mais mudanças físicas, que mentais. Pelo menos com ele fora assim. E morto, continuava pensando os pensamentos de vivo. Na mão uma fotografia de quando jovem, o flagrante ocorrera num bar. Estava com alguns amigos daquela época. Onde estariam àqueles? Nem sabia se ainda viviam, ou em que plano estariam? Talvez deles que já se foram. Amigos, deles que já nem mais estivessem ali. E por acaso, apareciam por trás, na fotografia. Quem sabe perambulavam por aí. Asim como ele, nem vivo nem morto. Será que se casaram? Tiveram filhos? E se se encontrasse com um dos filhos dele? Provavelmente o reconheceria, nele. E pensaria que seria ele mesmo. Diria: Mas como? Não envelheceu nada? A vida toda, era assim.

Um homem parecendo com um personagem de filme de faroeste, apareceu-lhe bem a frente. Assustou-se, era noite. Tinha a mão como se fora uma arma apontada pra sua cabeça. O indicador como se fosse o cano, o polegar o cão da arma, e os demais dedos como se segurasse o cabo. Temeu aquilo. Ora! Por que o medo, se não havia arma alguma na mão dele? Mas era como se tivesse. E prevalecia o medo. Tinha vontade de correr. No entanto os pés pesavam, como se pregados ao chão. Como se atolado, em areia movediça. Os dedos, as unhas dele, só tinha nicotina. No entorno da boca cicatrizes, feridas de queimaduras. O caubói era débil mental. Colocaram-lhe o apelido de “Django das Bitucas” a vida era catar binga de cigarro no chão. Rodou a arma imaginária no guarda mato, colocou no coldre inexistente. Lentamente girou nos calcanhares, e se foi.

Um rapaz o observava de uma mesa de bar, enquanto fazia um lanche. Era um belo mancebo. Talvez fosse, o anjo de sua guarda. Estava lanchando, não tirava o olho dele. Ora, e por que correspondia aos olhares? Melhor não olhar mais. Mudou a vista, tentou pensar em outra coisa. Olhou de novo. E o rapaz bonito já não estava mais lá. Acabou a dúvida, se se tratava de um anjo.

Silvio estava sentado em cima dum lajedo, que ficava bem à frente da choupana, lá no alto. Subúrbio da vila. Parte da sua vida viveu ali. Quando anoitecia a visão era fantástica.  Dava pra ver todo o vilarejo. As ruinhas, tudo tronchas! Um sobe-desce desgraçado. As carreirinhas de luzes serpentinando morro acima, morro abaixo. A casa continuava lá, de singelo talhado, com duas caídas d’água. Uma pra frente, outra pra trás. E era tudo tão simples. Um bico de luz, mal iluminava o interior. O alpendre guarnecido de janela. Senhor Djalma tinha para si o conceito, que um alpendre sem janela, se constituía dum erro ignóbil, execrável. Algo inadmissível. Dentro de casa, uma velha cadeira de balanço, das que se denominava de preguiçosa. O móvel mais importante. Toda tarde, alguém a levava para o alpendre. E a cadeira ficava lá, pacientemente a espera de uma pessoa em especial, o pai de Silvio. Ele chegava da rua, sempre calado, taciturno. Um Charlie Chaplin, sem os trejeitos. Tirava o chapéu, pendurava o velho paletó no respaldo da cadeira. Sentava-se calmamente.  Acendia um cigarro aromático. Aquela cena daria um quadro, uma bela duma pintura modernista. Composta por um homem, fumando um cigarro, numa cadeira preguiçosa, num velho alpendre, quase anoitecido.  Quedavam pensativos, o pai de Silvio, a cadeira, e o cigarro perfumado. A cena ocorria toda de tardezinha.

Naquele instante Silvio fumava um cigarro, semelhante ao do pai, e que também  ele, lá estava, na preguiçosa. Muito embora fisicamente, ninguém estivesse. Silvio tinha o palito de fósforo apagado, brincando entre os dentes e os lábios grossos, de homem negro. Senhor Djalma chegou, ficou por trás de Silvio. Observava também a vila. Quase num sussurro perguntou-lhe se lembrava, do dia da quermesse. Montaram uma barraca de quitutes e bebidas, na festa da novena de São Pedro Apóstolo. Silvio sequer se deu ao trabalho de virar-se. Ouviu e continuou olhando a vila. Lembrava-se sim, do dia que montaram uma barraca na quermesse. A pedido do padre, o amigo fez a vez de leiloeiro para as prendas doadas.

Sem saber porque perguntou por que Silvio, à época ficou rebelde, afastou-se da igreja. Por que deixou o grupo de cristãos, que se reuniam aos domingos e visitavam o abrigo de idosos? Não quis responder. Pensou em algo pra dizer. Disse que queria ser “hippie”, decidira viver perambulando, sairia de casa, pegaria apenas o violão, uma mochila de couro, algumas camisetas e sairia pelo mundo. Sair pelo mundo naquela tempo, era ir pelos bares com os amigos. Sem vontade de voltar pra casa.      

Era um sábado, no domingo era dia dos pais. Tinha uma lua, daquelas que parece um pedaço de unha, acesa, voando na esplanada de estrela. Jânio sabia tocar violão. E tocou, coisas muito bonitas de se ouvir. Estavam sentados no imenso calçadão da usina. Ainda mais olhando para o céu escuro, cravejado de pingos de luz.  O rio naquela época do ano, estava quase seco. Restaram alguns cacimbas d’água junto aos charcos. Os grilos entoando sua serenata. Silvio pegou sua comissão de leiloeiro e foi comprar cachaça para irem, naquela noite, pro rio. Ao entrar no bar, um homem mal encarado estava bebendo no balcão. De posse de um machado partiu em sua direção.

Fabio Campos, 12 de setembro de 2020.

Este capítulo, tem duas ilustrações: Um mural (O Original) feito por Aika (minha neta de 9 anos),  que se baseou num webdesenho, usou tinta plástica em parede bruta, com duas mãos de cal. Eu reformulei com autorização, claro, da autora. A minha versão denominei de "A Criação".

 


 

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