QUASE O FIM..... Cap 18



“Um preto, um pobre, um estudante, uma mulher sozinha...Pessoas cinzas normais, garotas dentro da noite, revolver. Cheira cachorro! - Belchior Alucinação - Fevereiro, 1976”

Silvio viu a morte se aproximando. Pareceu-lhe realmente o fim. O homem embriagado estava determinado a o matar. E morreria. No entanto, sem saber realmente, o motivo de ter que morrer.  Se por vingança, se por uma dívida, quem sabe, por engano. O problema era que o machado não tinha respostas pra seus questionamentos. Sibilava no ar buscando seu corpo, sem no entanto lograr êxito. Sem alcançar seu intento. Silvio tinha uma habilidade incrível para se livrar dos golpes mortais. Isso porque na juventude, tivera oportunidade de frequentar uma academia de artes marciais. Aliado aos bons reflexos, que ajudava bastante. Interessante, ver que, apenas se defendia, sem revidar a agressão. Dando saltos fantásticos, e esquivadas mirabolantes, conseguiu salvar-se. Saiu do estabelecimento, deixando para trás o burburinho.  Na rua ia pensando, tentando lembrar-se de onde conhecia aquele homem. E o porquê de querer tira-lhe a vida. Revirou o passado, por fim veio-lhe na memória. Conhecia-o das docas.

Senhor Djalma, outra vez, se estava a recapitular sua vida, e sua não-vida. Desde do dia que se entendera de gente, até o dia que morrera, e não-morrera.  Acontecimento semelhante, acabara de ocorrer com Silvio. Muito embora, não tivera ele, a mesma sorte. E mesmo morto, continuava tendo consciência das coisas que aconteciam ao seu derredor. E ainda nem bem haviam entrado na madrugada. Um cão bravio apareceu. E pôs-se a rosnar contra senhor Djalma. Era um cão de pelo negro, de olhos projetados, sanguíneos. Não parecia normal. Senhor Djalma tinha trauma de infância, com relação a cães. Desde a vez em que voltava da casa de uma tia, e fora atacado por um cão, um pastor alemão que, se soltando de seu dono, saltou de dentro do jardim de uma casa. Senhor Djalma, devia ter uns doze anos, o cão pastor alemão, o mordeu no braço. Haviam outras crianças, o cão porém, escolheu a ele pra morder. Isso o deixou revoltado, e passou a pensar que todos os cães o odiava. Passou a ter aversão pelos bichos. Não sabia ele que animais atacam levando a consideração a estatura, muito provável devia ser entre as crianças naquela ocasião, o menor dentre eles. Teve que ir ao hospital, tomou um monte de injeção na barriga, para o caso de o cão estar com hidrofobia. Por longos anos, não podia ver um cão que tremia.

O sol não estava nem aí pra as opiniões de quem quer que fosse, e isso ajudava muito. Porque em certa ocasiões, seria melhor não contar com certos amigos como aliados. Melhor entender de pontes, que de pessoas. Queria entender as garças. Voavam com tanta graça. A ele, parecia que voavam sem um trajetória definida. Ora iam pro sul, ora desviavam-se pro norte. Observava um bando, que seguia um pequeno grupo de bovinos. Os pardais, ficaram como vizinhos indesejáveis, o incômodo da vila. Tornaram-se, havia séculos, seres da urbe. Quisessem ou não, estariam lá, por muito tempo. As garças por sua vez, haviam migrado de regiões pantanosas, seu habitat. Por escassez de alimento vieram explorar o sertão, bravio. Tornaram-se amigas dos bovinos, e viviam com esses uma espécie de mutualismo. Comiam-lhe os carrapatos, enquanto os protegiam de qualquer ataque de serpentes, e as estas protegiam, de qualquer inimigo, que soubesse respeitar um rival de grande porte. Era algo interessante, ver a amizade de seres tão grande, com seres alados, tão pequenos.

Os prédios, as casas do vilarejo, cada uma delas contava uma história. Lembrou de uma festa da padroeira, já havia muito. Em que foi passear na praça com a namorada, de juventude. E percebeu algo no frontispício de um prédio, algo que nunca havia observado antes. No prédio figurava o brasão da família, em alto relevo, algo tão antigo. Mas que estava lá. Algo que nos dias comuns nunca observara, mas que o dia de festa revelou. O fato de estar com a menina ajudou a guardar a lembrança. O namoro com Severina iniciara-se na sala de aula, eram colegas de escola.

Não Severina, não foi seu primeiro, nem único amor. Apenas amou-a intensamente. Lembrou-se de Nara, outra paixão de juventude. Levado pela saudade, foi até o gueto onde Nara morava. Será que ainda vivia lá? As vezes as pessoas esquecem que o passado é passado. E lá, era onde devia permanecer. Já dizia o cantor Belchior "O passado é uma roupa que não nos serve mais." O subúrbio, pura desolação. Parecia um campo de guerra. Desumanamente devastador. As casas, em ruínas. Fazia anos estivera ali, nada mudara. Só o fato de estar morto. Pichações nas paredes, sujas, caveiras, cobras, punhais, frases que gritavam: “Morte ao inimigo!”

Havia muito lixo. Um amontoado de entulhos. Em todas as ruas era a mesma realidade. Não entendia bem o significado daquilo. Mas era a realidade que havia. Não tinha como discutir ignorar, a realidade era aquela. Monte de lixo, por toda parte. Parecia cenário de filme de ficção científica. Estaria sonhando? Mas era tudo tão real. Pediu muito a Deus para que aquilo não fosse verdade, apenas um sonho. Mas as casas pareciam tão familiar. Aquelas crianças brincando, junto aos esgotos, a céu aberto, porcos, cheira cachorro!

 "Morte ao Inimigo!" O inimigo para aqueles devia ser o governo. Um homem negro apontou-lhe um revólver, e deu-lhe ordem pra ficar parado. Dessa vez, era um revolver de verdade! Obedeceu. O homem veio até ele. Perguntou o que “aquela alma penada” estava fazendo na favela àquela hora. E disse mais, que costumava atirava primeiro, pra depois perguntar. Engraçado, como tinha razão, era no que se tornara, uma alma penada. Disse que ia a casa de uma amiga, se chamava Nara. Ela o viu de longe, veio até ele. Será que ainda o amava?  Não queria que ele entrasse na sua casa. Talvez, estivesse amancebada com um traficante. Não estava. Era uma mulher sozinha. Ela a filha de nove anos. Talvez tivesse vergonha da pobreza em que vivia.

E de repente estava de volta a praça. Não podia dizer o contrário do que via. Não acha que estivesse de volta ao passado, pois no passado não tinha carros com aquele alcance. Não tinha como ser passado, as roupas eram tão atuais. Estudantes, dois policiais...


Fabio Campos, 20 de Setembro de 2020. 

A ilustração desse capítulo é imagem da Caatinga, o Bioma do sertão. Encontrada no google em: Imagens da Caatinga"

 

 


 

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