Dona Carmem, quis naquele dia, fazer algo
diferente. Decidiu, por uma aula de campo. Os meninos estavam todos eufóricos.
Perfilados em frente à escola. Antes de saírem, entoaram, o hino nacional e do
estado, solenemente. Tremulava ao mastro o pendão da esperança, içado debaixo
do sol matinal. Enfeitado céu azul, de nuvens fortemente varonil! A bandeira hasteada com tamanho respeito. E partiu a expedição, com destino ao lago do Bode. Tão belíssimo
lugar, aprazível, afastado da urbe. Para o menino Djalma, a experiência mais
incrível que vivera, até a altura dos seus doze anos. O lago, um esplendor!
Cenário magnífico! Própria cena de cinema. Teve certeza que um dia, sonhara
estar naquele lugar! Estar ali, a concretização de um sonho, premonitório! Se
aquele se materializara, beijar dona Carmem, na boca. Um dia também aconteceria.
A menina dos dinossauros, nada dizia. Até
porque, fantasma não falam. Não, com os que estavam no mundo dos vivos. Falavam,
somente com os capacitados. E nem precisavam dizer nada. Assim ocorria com
aquela menina. Contava, ao senhor Djalma, sua história, sem sequer abrir a
boca. E que boca! De dentes perfeitos! A menina tivera um namorado, que vinha
de uma família, cujos pais não permitia aproximação deles. A briga já se havia
de muito longe. Muitas vidas, do antepassado, de ambos, haviam sido ceifadas,
por conta de disputas por terras. O casal de namorados não queriam saber de
nada daquilo. Davam sempre um jeito de se encontrarem, escondido dos pais.
A porta, dum baque se fechou, às suas costas!
O menino Djalma, tentou o trinco, nada! Não conseguia abrir! Deu-se conta que
estava preso. As lembranças vinham-lhe, enquanto estava sentado a areia, à
beira do lago. Vislumbrando aquela belíssima obra do criador, relembrava de um
episódio, ocorrido noutra expedição escolar. Ocasião em que foram ao asilo de idosos
São Vicente. Propositadamente afastou-se do grupo. Movido por uma dose extra de
adrenalina, distanciou-se dos colegas. Estava cometendo uma indisciplina. A
professora, antes havia orientado, que ninguém se afastasse do grupo. A ideia
de ser diferente, de descobrir algo novo, também traços de rebeldia, tornava-o
intransigente.
Os dinossauros, não tinha ideia de como, e
onde se encaixava, naquele contexto. De acordo com a história e a ciências, os
humanos jamais conviveram com os répteis gigantes. Os enormes lagartos teriam
vivido na era cenozoica da terra. Isso fazia tanto tempo, nem Jesus Cristo tinha
nascido ainda. Tinha deles que se
alimentavam de vegetais, e outros que o que viesse, traçava! Os feiosos tamanho
família, punham ovos, assim se procriavam. O problema está na questão, como
vieram parar nestas plagas? O que dava pra concluir que os rastejadores andavam,
e andavam muito. Migraram pelos quatro cantos da terra.
Teve vontade de gritar, mas conteve-se. Dava
pra ouvir a algazarra dos colegas, ora distante, ora bem próximo. Sabia, que se
gritasse por socorro, os demais colegas iriam gozar de sua cara pro resto da
expedição. Na verdade, pro resto da vida. Precisava sair daquela situação, sozinho.
Se tivesse de ter ajuda, que não viesse, nem fosse conhecida pelos colegas, e professora.
Ficaria com muita vergonha. Seria mal-assombrado aquele velho casarão?
Histórias de arrepiar, ouvira falar. Diziam que no passado ali, funcionara um
quartel, e muitos presidiários teriam sido torturados, enforcados,
esquartejados, queimados vivos! Os olhos do menino, já se haviam acostumando
com o escuro. Tateou vendo vultos dos móveis. Conseguiu alcançar um cabide. Ali
estavam pendurados os pertences de vários idosos. Roupas, chapéus, bengalas,
guarda-chuvas. Era como se fosse uma sala de jogos, recreação. Ao tocar um
casaco, percebeu um objeto dentro dum bolso. Introduziu a mão. Era uma prótese
dentária! Cheio de asco, retirou a mão rapidamente! Havia uma outra porta ao
fundo, percebeu que alguém do outro lado, batia com o nó dos dedos, bem
baixinho. Arrepiou-se todo!
O quadro, era o seguinte, um dinossauro da
espécie vegetariana, invadira uma pista asfáltica. Havia um carro tombado,
abandonado às pressas pelos seus integrantes. Nas ruas e avenidas pessoas
perplexas! De onde teria surgido aquele bicho? Era o que todos se perguntavam. Os que
admiravam o quadro, também se perguntavam. Os personagens dentro da
imagem, de tão real, dava pra ouvir os gritos das pessoas! Dava pra sentir o cheiro
da fumaça desprendida do motor do carro, capotado, em chamas! Dava pra sentir, o
desespero das pessoas.
Outra reflexão lhe assaltou, como podia uma
pessoa escapar três vezes da morte no espaço de um dia. Tudo começou, logo
manhã, se encontrava sobre o lastro de um caminhão, que desenvolvia alta
velocidade. Se deu conta que pegara carona, juntamente com uma turma de amigos.
Vinham de uma caçada noturna. Haviam passado a noite dentro da mata. De
repente, numa curva, na estrada de barro, o caminhão colidiu com outro carro,
uma caminhonete. Todos foram arremessado com força para o gigante da carroceria.
Mas nada de grave ocorreu a nenhum daqueles. E o dia seguiu seu caminho. A tarde outro carro, guiado por um
motorista bêbado, invadiu uma praça e quase o atingiu. Desta vez, estava numa
bicicleta, alugada. Naquele tempo tinha os irmãos Cosme e Damião, que alugavam
bicicletas. Para livrar-se do carro, jogou a bicicleta de encontro ao parapeito
da praça. Acabou que o pneu dianteiro da magrela ficou destruído. Outro livramento. A
noite, um carro desgovernado, subiu a calçada, chocou-se numa placa de trânsito,
que se partiu e pedaços voaram sobre sua cabeça. Passou raspando!
Disseram os colegas. Naquela mesma noite, um rapaz loiro de cabelo
encaracolado, aproximando-se, sentou-se ao seu lado na calçada da igreja. Ele
disse, embora o menino nunca entendeu. -Hoje eu tive um trabalhão!
Era um belo dia de domingo, foi pra casa de
um primo. Ele era pintor, o quadro que estava pintando tinha muitas cores, e
indefinições. Começaram a conversar. O primo estava tomando vinho. Na vitrola
tocava um disco, de um desses cantores que cantam músicas de quem está
perdidamente apaixonado, ao mesmo tempo desiludido com a amada. O primo pintor disse,
vamos olhar o rio. E foram. Que visão teriam, de lá de cima da ponte? Decidiram
ir olhar o rio, de cima da ponte. Pra chegar lá, tinham que escalar um belo dum
abismo. Bem devagar, sem pressa, subiram. O sol refletia no chão, suas sombras cruzadas.
Lá embaixo havia muita pedra. Era um precipício. Dava medo, só de olhar. Uma
queda dali, seria fatal. Olhou, sentiu vertigem. Os pés vacilaram. Sem querer, mergulhou.
Não tinha como escapar. O vinho, embotara sua alma, seu senso de perigo. Não tinha a
menor noção do que lhe ocorria. Estava sem camisa, por conta do calor a havia tirado. De repente sentiu um puxão pelo braço. Foi arremessado, para o lado
contrário ao abismo. Caiu sobre um pé de rasga-beiço. Foram vários ferimentos,
rasgões no peito, um corte profundo, bem debaixo da axila, do braço direito.
Foi muito sangue. Colocou um pouco de aguardente. Soltou um monte de palavrões,
pela dor que sentiu. Aos poucos, o sangue estancou. Foram alguns meses, para
sarar. E muitos anos, mais de trinta, para entender o que realmente lhe
ocorrera. Naquele domingo.
Fabio Campos, 29 de novembro de 2020.
Ilustra este capítulo, uma foto [2020] da cidade de Porto de Pedras- AL.