IGREJA
IGREJINHA
IGREJA DE SÃO
FRANCISCO
IGREJA CAPELINHA
IGREJA
IGREJAPELA
CAPELA-IGREJINHA
IGREJA
DE SÃO
IGREJÃO
DE SÃOZINHO
FRANCISQUINHO.
DO MENINO MENININHO
JESUS, MEU
JESUZINHO!
A menina Sayane, além do nome,
outras coisas mais havia de diferente nela. Olhos amendoados, parecia querer captar o
mundo com eles. Garimpava as coisas com os olhos. Com eles, ia pulando as eiras
e beiras das fachadas das casas, como quem brincava. Andava como quem passeava,
mesmo apressada. Falava sozinha. Talvez cantarolasse uma música, baixinho. Ria
sozinha. Como quem ria pra dentro. Vestia-se, como menina que se veste sozinha. Sem
alguém que lhes dissesse: “Menina, essa blusa fica melhor com esse short.” E se
tivesse uma irmã? Com quem dividisse as tristezas, as angústias, as alegrias, e
às vezes lhes fizesse umas raivas? Por que não? Irmãs, tiram-nos oportunidades,
são chatas, roubam coisas da gente. Melhor não. Estava bom assim mesmo, do jeito
que estava. Morando com um tio, irmão de sua mãe. Pena que com o tio, não dava
pra falar de menstruação, de pêlos, crescendo em lugares muito doidos. De seios
inchando, cada vez mais. E os pés! Meu Deus!
Na beira da estrada, pedaços de
tronco, de uma árvore abatida. Semelhavam troncos humanos, decepados braços e
pernas, retorcidos. Evidências do crime havia por toda parte. O chão forrado de
lascas de madeira, feito tapete do ser vivo trucidado. O sangue derramado ainda
ardia. O cheiro era forte. O egoísmo falaria mais alto, sobressaindo o sentimento de posse,
gritando de lá dentro. Dizendo ao homem, que dava pra tirar algum proveito, daqueles restos
mortais. Sem o menor constrangimento aceitaria arrastar aquele ex-ser vivo,
agora morto, até sua casa. Igual um leão que arrasta uma zebra morta, até sua
caverna e simplesmente a devora, junto com seus filhotes. Sem nenhum remorso,
era a lei da selva. Achava que àquele
ex-vivente, do reino vegetal, ainda podia tornar-se, para si, algo útil. Quem
sabe, viraria belíssima caqueira de plantas.
O rabo de cavalo da menina era
fino, leve, de pouco cabelo. E ia dizendo: “não”, “não”, balançando pra lá e
pra cá. Vestia uma camiseta, na estampa o desenho dum ursinho de pelúcia dentro
de um coração vermelho, rosáceo, e a palavra “Happy”. Short jeans, chinelo de
dedos. Seios e glúteos, nela, uma verdade, muito mais pro futuro, do que pra
agora. Tudo parecia muito real, tão real que apertava-lhe o coração. Era numa
hora daquelas que uma irmã fazia falta. Se tivesse, ia perguntar-lhe o que achava
daquele menino, do mercadinho? Dá pro gasto. Por quê? É que ele andava olhando
demais pra ela. O negro asfalto, quente de sol, abrupto daria sua fatal
contribuição. As casas deram pra brincar de roda. Um pingo de sangue caiu, do
nariz na estrada negra de resina quente. Teve que sentar na calçada pra não
desmaiar. O mundo virou carrossel. Ficou um tempão, até passar a ruindade. A
cabeça levantada. Lá vinha uma amiga, um aparelho celular na mão. Laura!
Pergunta aí no Google: “O que significa sangrar pelo nariz?” O Google disse: “São
as vias respiratórias ressecadas, devido ao tempo seco.” Será que eu tô com
Covid? Nada a vê!
O homem entrou na sala azul,
climatizada. O médico, de jaleco branco, óculos de grau, cabelos revoltos,
pretos. Sentado, atrás de sua mesa. Os olhos no celular. Algo, mais
interessante que o paciente: o aparelho de telefonia móvel. E sem tirar os olhos
do dispositivo, disse ao homem que se sentasse. A máscara de proteção do
esculápio, contra o novo Corona vírus, estava nas orelhas. Porém, puxada pra
debaixo do queixo. Teve vontade de chamá-lo atenção para o risco, que corria, e
que expunha as demais pessoas. Desistiu. Ele, mais do que ninguém sabia disso. O
paciente continuou esperando. Situação vexatória. Se soubesse que seria assim,
jamais teria ido. Tarde demais. Se arrependimento matasse, ali estava um morto.
A mãe de Sayane, estava de
namorado novo. Isso a irritava. Deixava-a na retranca. Não queria fazer amizade
com mais ninguém. Isso incluía, claro, o dito cujo. Aliás, amizades tinha demais. Precisava
livrar-se de algumas virtuais, das redes sociais. Indesejáveis até. O tio a
aconselhava, calado. Era exemplo pra ela, sem nada dizer. Desejava ter a
tranquilidade que tinha o tio. Parecia que nada tirava-o do sério. Não era bem
assim. Sabia de alguns defeitos dele, teimosia, arrogância, cabeça dura, pavio curto. Em alguns pontos se achava muito parecida com ele. Agora, se bebia, se transformava noutro, ficava meloso, excessivo nos carinhos. Desavergonhado, urinava no quintal, despia-se sem o menor pudor, e tomava banho nu, ali mesmo. Sobre a doença crônica que tinha,
nenhum dos dois sabia.
Um eletrocardiograma, a tirinha
de papel cheia de riscos, que subiam e desciam, estava dizendo, ao homem, que tivera um
enfarto do miocárdio, havia muitos anos. Os laudos médicos confirmavam. Eles nunca erram. Quedou-se
perplexo O médico, pareceu-lhe agora, um ser de outra galáxia. Sua voz, de
repente ficou lenta, distorcida, vinda do além. E de repente, o cara do jaleco, ficou verde, um chifre de
rinoceronte nasceu-lhe na testa. Dizia, algo como: “não havia motivo pra
preocupação.” Escrevia e escrevia, ao tempo que falava e falava. Caindo em si o homem,
ponderou que poderia, nem mais estar ali. Ao mesmo tempo considerou que, se não
morrera era porque algo teria pra fazer. Para merecer ainda estar aqui. Eram coisas
que, nem a chuva, nem o silêncio da vidraça, poderiam responder.
Fabio Campos, 27 de Março de
2021.
AIKA EM PRETO E BRANCO
ESTA FOTO FOI UMA SELF, FEITA POR ELA MESMA. ORIGINALMENTE EM PRETO E BRANCO. JUNTO COM SEU PRIMO DOMINIC, MEU NETINHO MAIS NOVO DE APENAS 1 ANO E MEIO. FILHO DE MINHA FILHA JULIANA.
CHAMADA AOS ALUNOS DA ESCOLA ESTADUAL MILENO FERREIRA, ANO DE 2021, PARA UM PROJETO EM ANDAMENTO...
Os tempos, pouco a pouco, eram
outros. Nas mãos do povo, o mundo ficando velho. O arado do tempo, devagar e
sempre, lavrando sua ceifa. Os olhos aos poucos anuviando. Os sons,
paulatinamente, caindo de capacidade de serem ouvidos. A voz, cada vez mais
rouca. Músculos ficando flácidos, articulações endurecendo. Uns ais, a cada vez
que precisava levantar-se dum acento. A filha, querendo eternizar aquele
momento, chamou: Mãe vamos tirar uma foto! Chamou várias vezes. E estavam à poucos
metros de distância. Mas não a escutava. Ficou triste, era dia de sua data
natalícia. Acabara de tornar-se octogenária. Pegou na sua mão, conteve o choro.
Os dedos nodosos, encaliçados de tanto trabalho. Anos a fio dedicados a família,
a casa, que já perdera o esteio. Pediu que sentasse, queria ver seus pés.
Colocou-os, em seu colo. Massageou, um a um, os dedos entrevados, de articulações
comprometida, pelo tempo. Providenciou uma bacia com água morna. Cuidou de
fazer-lhe as unhas. Foi, o melhor presente que a filha poderia ter dado a mãe.
Um céu nublado, dentro do
coração. O céu de verdade, estava com o azul de nossa Senhora, pontilhado de
carneirinhos, de São José! Bem no seu dia! Uma tempestade de tristeza, invadindo
o ar, onde só a alegria deveria reinar. A atmosfera, se movendo provocando
sentimentos, evocando emoções variadas. A sala, de repente virou uma arena. A
discussão generalizada, era se valia a pena, comemorar uma data natalícia, numa
época tão crítica que se vivia. Tempo de pandemia, pelo novo corona vírus. A
reclamação de alguns, era por conta da exposição. E colocar em risco a vida da
própria mãe. Aglomeração de filhos, netos, bisnetos, reunidos pelo aniversário
da matriarca da família. Alguns viera de uma distância considerável, enquanto
outros que moravam só a alguns metros, decidiram não ir. As desculpas, pela
iniciativa começaram a aflorar. As culpas desabrocharam. Aquela poderia ser,
gente, a última vez que estaríamos reunidos! Qualquer um de nós, poderíamos não
mais estar ali, nos próximos anos. A demais, quem inventou a surpresa, pensou
que seriam poucos os que iriam. E que todos os que foram, iriam respeitar o uso
da máscara de proteção. Tudo na vida, foge do controle. É assim mesmo. É a vida.
Até os cachorros ficaram mais
agressivos. A xícara de café, abandonada sobre guardanapo branco maculava de
negro o tecido, à espera da atitude digna de alguém. Nada podiam fazer, tudo ficara
parado, esperando. As fatias de bolo, os copos de refrigerante. Os dissabores
das palavras exaltadas, sobrepujavam os sabores, abandonados. Um tronco de árvore
reclamava alguém, que viesse, se encostar, acendesse um cigarro, e enchesse sua
copa, suas folhas, de fumo. Alguém tiraria as próprias conclusões. As
evidências, e nada poderia ser feito. Aqueles cachorros, com certeza estavam
percebendo algo que ninguém mais além deles pressentiam. Algo de errado, alguma coisa que
alterava o estado de paz das coisas. E que poderia ser, desse ou de outro
mundo.
Nada mais podiam fazer. Mesmo que
quisessem nada podiam fazer. Lá fora, o toque de recolher estava decretado. A
demais era sábado. Sendo assim, tornavam-se, quer queiram quer não, todos
sabatistas, segundo os Evangelhos. Feitos judeus que guardavam o dia de sábado
por excelência. A noite veio silenciosa, mansa, desarmando sentidos. Acalmando
a alma. A lei do silêncio impondo sua própria regra. Qualquer indicio de muita gente junta,
virava alvo da viatura da polícia, em ronda permanente. O coração, como se
alguém segurasse com as duas mãos e o apertasse. Assim o sentia. O mar das
crianças sertanejas de antigamente chegava dentro de um búzio. Isso era herança
do passado. O búzio agora, servia de escora pra manter a porta aberta. O mar
dos homens velhos, era sal puro. Areia dentro dos olhos, lágrimas que nunca
quisera chorar. O coração duro não deixava. Abraçar-se tornara-se um crime
hediondo.
Nunca pensou que viveria tanto, o
suficiente pra ver tempos tão difíceis. Na adolescência os abraços, os beijos
tão escassos, não vinham por conta dos grilos, próprios dos jovens. Das
restrições impostas pelos pais. Os namoros, a ingenuidade, a pureza dos
corações. As lembranças amornando o espírito, a moça lembrando-se dos domingos.
Ainda cedo o namorado chegando a casa. O pai, chamava-o para ir olhar o roçado,
o milho seco, as tarefas do campo, os hectares de palma bem cuidada. O gado, resumido a algumas
poucas cabeças: uma parelha de boi de carro, umas reses, uma vaca leiteira. Na
hora do almoço, uma lapada de cachaça, arroz branco, feijão tropeiro com carne
de galinha, e muita pimenta. Não recusada para não fazer uma desfeita com o
futuro sogro. Arre! Égua! Pimenta ardida da peste! O que disse? Nada, não! Estava
aqui, pensando alto, me lembrando de outra coisa.
Agora que a maturidade ensinara
que valia a pena, abraçar, beijar, acariciar. Uma maldita pandemia impedia de o
fazerem. De abraçarem-se, beijarem-se. Não os impediam porém, de se amarem. Os
olhos viam os homens como árvores que andavam. Assim como via o cego, que Jesus
curou da cegueira. De nada adiantaria subir a serra, se não houvesse um motivo
justo pra isso. E correr o risco de não serem reconhecidos, pelos espíritos que
andavam vagando pelo mundo. Pelas almas
vaqueiras que precisavam de rezas, e serem salvas. Pois também as penitências
da semana santa, estavam suspensas. Pela primeira vez, em muitos anos, não
subiriam a serra. Não contemplariam do alto do cruzeiro, a vida, o ano que a
pouco iniciara-se. Ano diferente, estranho, onde os tempos eram outros. A luz
do sol, as pedras, as nuvens, os espíritos.
Fabio Campos, 20 de Março de
2021.
Por do sol na Lagoa do junco durante um passeio vespertino, num dia desse de março de 2021.
UMA PANDEMIA TEM MUITO DE BÍBLICO, MUITO DE BIOLÓGICO, MUITO DE FILOSÓFICO, MUITO DE TUDO> POR ISSO TRÁS O PREFIXO "PAN".
PANDEMIA: E O DIABO ASSIM COMO EM QUALQUER OUTRA CATÁSTROFE, COCHICHA NOS OUVIDOS DOS SEUS DISCÍPULOS: "SEMPRE TEM COMO TIRAR ALGUM PROVEITO".
A PANDEMIA DO NOVO CORONA VÍRUS TEM SUAS PARTICULARIDADES, ASSIM COMO UMA COPA DO MUNDO FAZ DE CADA BRASILEIRO UM TÉCNICO DE FUTEBOL, POR AQUI PIPOCARAM OS TÉCNICOS EM INFECTOLOGIA, IMUNOLOGIA, E TANTAS OUTRAS "GIAS".
A parede não tinha reboco. E nem
era de tijolos, erguida com muretas. Pedras de quinze por quinze centímetros,
aparência de paralelepípedos gigantes. Demorou anos, a buscar ali uma beleza, que
jamais viria. Porém não desistia. Dizia a si mesmo, que com o passar do tempo
mudaria de opinião. O que até então não ocorrera. Continuava, desde da última
vez que a contemplara com sua beleza, genuinamente feia. Feito menina-moça, com
cara de sofrida. Por falar em menina, ela chegou. Um resmungo, foi seu
cumprimento. Uma benção ganhou de resposta. Sentou no sofá, que ficava dando as
costas pra parede. Sentou com seu jeito despojado, de toda menina daquela
idade. O homem, de soslaio, ficou olhando-a. Sem saber se aventurava-se numa
análise mais acurada. Tão recente estreada no mundo, menos de década e meia
resumia sua existência. De quando conhecera, primeiro seus pais, depois ela. Até
aquele momento. Ainda criança colocava-a no colo. Agora, como se achava uma
moça, não fazia mais isso. Já se lhes apontavam os seios, as pernas finas, o
short jeans desbotado, colava-lhe tanto as poucas carnes, e tanto ajuntava na
virilha ossuda. Amava-a.
O muro, concebeu-o de um filme, se
projetaria em muitos sonhos. Em alguns deles pro alto. E ia desafiar os céus.
Noutros, descia tanto que uma ovelha facilmente o venceria. Construíra muitos
castelos naquele muro, presenciou muitas batalhas, muito sangrentas até. E
quando terminava, o cenário era desolador. Com paciência, pegava um balde e um
pedaço de pano, e ia passar nos jatos de sangue esguichados, plasmados nas
pedras, na parede. Presenciou muitos guerreiros tombarem aos seus pés. Alguns
até preferiram eles mesmos tirarem a própria vida. A ficarem agonizantes. Em
quanto seus colegas combatiam. Viviam e morriam.
A prima da menina, era ainda mais
jovem que ela. Entrou na sala, viu o homem, viu a prima no sofá. E foi pro
jardim tomar banho de sol. Nenhum deles a via. Não tinham capacidade para tal. Disse,
mesmo sem proferir uma palavra que estava ali para ajudar. Só não sabia como.
Sendo apenas de luz. Com seus olhos gigantes admirava tudo a sua volta. As
flores, o verde das folhas, os biscuits, a terra fofa, escura, molhada, o
cheiro de mato, o zumbido de uma vespa, as formigas à busca de nutrientes. Tudo
merecia sua atenção. A torneira pronta pra servir. Abria e dava-lhe água,
fechava e ficava pingando. “-Alguém deixou a torneira do jardim aberta?” “Não!”
Ninguém havia deixado. Afinal não havia ninguém lá. Mas que alguns ouviram o esguicho d'água ouviram. Não se demoraria, tinha uma
eternidade a esperando. Só Deus sabe o que a reservava, quando voltasse pro seu
céu. Por certo, ao menos, uma reprimenda.
As estações da via sacra. Assim
como as estações do ano, tinha seus momentos de erguimento e de queda. De muita
cor, mas também muita dor. E ter que morrer para renascer. Eram caminhos
tortuosos. Em determinados momentos passaria por lamaçais. Em lugares escuros,
tão escuro que parecia noite, e noite de trevas. Mas também por lugares claros.
Ao ponto de cegar de tanta luz. Noutro, o silêncio. Silêncio pela morte de
Cristo, e um turbilhão de sentimentos. E parecia noite, que parecia dia. Os
incrédulos do palácio diriam, foi só um eclipse. Eles tinham explicações para tudo. As estações de trem, e de
ônibus, também com suas características tão parecidas, gente de todas as
origens, de boa e de má índole. Cruzavam caminhos, retos e tortuosos, logo a frente. O muro,
por um momento virando o das lamentações. E via os homens tocarem com suas
cabeças, na pedra, repetidas vezes, repetidas orações. Batiam com a cabeça onde
antes outros homens bateram com suas espadas. A tirarem fogo do granito,
buscavam o corpo do seu opositor. E era tanto ódio em seus olhos, em seus
corações que o sangue derramado escurecia, tornando-se preto. Destruir, matar
em nome de Deus!
A menina do sofá, fez, dentro do
coração, um propósito de mudar de vida. Talvez impelida pelo tempo de quaresma, tempo de pandemia. Mesmo não tendo fé em nada, não tendo medo de vírus nenhum. Pouco
preocupada com vacina, aglomeração, uso de máscara. Queria mudar o rumo de sua vida. Álcool virava piada, ao
invés de tê-lo apenas nas mãos, dizia: melhor ingeri-lo. O pai, outro dia
perguntou-lhe por que não namorava. Achava-a tão diferente das outras meninas
de sua idade. Achava até que tivesse tendências homossexuais. Assustou-se. Como pode? Se considerava
tão feminina. Pôs-se a pensar: teria, o pai, descoberto nela, algo que nem
sabia? A loucura chegava pelos ouvidos. Os sentidos, tinham poder de manter a
lucidez. A insônia, a ansiedade, a angústia em doses bestiais. Nada que uma
cavalar dose de rivotril não resolvesse. A mãe nem ia perceber a subtração do líquido no
frasco. Viu as unhas caírem. Balançava as mãos trêmulas e via as unhas
pendurando-se, caindo, uma a uma. O rosto em fogo. No espelho viu seu cabelo,
sua cabeça ardendo em chamas. Os olhos duas bolas de fogo. A pele mudando de
cor ora azulzíssima, lilás, rosa, amarela, alaranjada. Agora era uma princesa, seus
súditos eram animais, desenhos que iam surgindo na parede, e pulavam pra sala.
Desenho animado e realidade misturando-se numa ciranda louca. Nunca mais
tomaria aquilo. Nem quando fumou o cigarro artesanal, com um amigo gay, naquele
inferninho no sábado à noite, sentira tais coisas. Não gostou de ser a Rapunzel,
tinha medo de altura. O cabelo descia pelas seus minúsculos seios, cobria-lhe o
sexo. Estava nua, deitada no sofá, no meio da sala. A cama improvisada virou um carrossel. O céu caiu. No
lugar, colou, ela mesma, uma folha de papel machê. E ficou tão mal pregado, caído de um
lado. A parte caída permitia uma nesga do que havia por trás, uma fornalha em
chamas. Caiu no chão, desmaiada.
A semana santa se aproximava, com
ela o caminho da dor. O santo ofício. As primas, parte da oração que se reza
nas primeiras horas, antes do sol nascer. Com o cantar do galo. A pandemia empurrara
todos os planos pra dentro de casa, pra debaixo do sofá. O par de tênis, um com
a boca pra cima, o outro com a boca colada no chão. Parecendo dois bêbados, de
ressaca. Nada do que faziam antes podiam fazer agora. Ficar sentado na praça
olhando os pardais, as nuvens descompromissadas de chuvas. A praça, olhando as
crianças, andar de bicicleta. Caminhar a beira do asfalto ir até o condomínio.
Assim que a visse, beijaria-lhe o cabelo. Sorririam, juntos. Sorriam, de nada.
Fabio Campos, 13 de Março de 2021.
A VIDA
DIVIDIDA EM
ETAPAS
ETÁRIAS
SOMADA
EM DESVIOS
RENÚNCIAS
MULTIPLICADA
EM DESASTRES
DOR, FERIDA,
CICATRIZES
A VIDA
CHEIA,
NÃO DE
PLACAS
QUE PUDESSEM
NOS INDICAR:
PARE!
AVANCE!
ESCUTE!
OLHE!
MAS...
CHEIA DE:
BECOS
ESCUROS
ABISMOS
SEM
PARA-PEITO, PONTES OU BALAÚSTRES
VIDA DE
ATROPELO
SEM APELO.
FABIO CAMPOS, 29 DE DEZEMBRO DE 1978.
PENSAMENTOS
“UMA COISA QUE DEVEMOS ACREDITAR CEGAMENTE, SÓ PODE SER UMA
COISA QUE NUNCA VIMOS”
POUCO IMPORTA QUE EXISTAM VÁRIAS RELIGIÕES. DEUS ESTARÁ
SEMPRE PRESENTE EM TODAS ELAS, MESMO COM OUTRO MODO DE SER VISTO.”
FABIO CAMPOS, 22 DE DEZEMBRO DE 1978
FIM DE ILUSÃO POESIA
QUANDO A
GENTE VAI
SE É LEVADO
QUANDO A
GENTE DORME
E SONHA
ACORDADO
QUANDO A
GENTE CRIA
UMA FESTA E
PARTICIPA
QUANDO AS
NOITES GALOPAM
NUM RÍTMO DE
TOSTÃO FURADO
QUANDO A
GENTE INVENTA
UM ABISMO
E SE
PRECIPITA NELE
QUANDO A
GENTE SE DIZ
UMA VELA
CHORANDO,
APAGANDO.
APAGANDO...
POESIA
A GENTE
CHEGA A UM PONTO
QUE ESSE
PONTO NEM CHEGOU AINDA
QUANDO
PARAMOS PRA PENSAR
O PENSAMENTO
CAI POR CIMA
QUANDO
TENTAMOS REAGIR
A SITUAÇÃO É
DESESPERADORA
MAS O
DESESPERO NÃO LEVA
A NENHUMA
SAÍDA
ALIÁS NÃO HÁ
SAÍDA
QUANDO NOS
CONFORMAMOS
COM A
SITUAÇÃO
É PORQUE
PRETENDEMOS ESQUECER
PASSAR POR
CIMA
OU PASSAR
POR BAIXO?