[IN]Z.A[NO] Conto Capítulo 3 Tábata 02/12/2024



 


Tábata nunca conseguiu entender o que se passava com seu pai. Tinha dias que ficava amuado num canto, horas sem dizer palavra. Olhava pro nada. Pelo menos era o que aparentava, de cócoras, olhando pro nada. Os olhos quase cerrados por conta da luz intensa. O cotovelo do braço direito apoiado na coxa da perna direita. Enquanto a mão repuxava os fios do negro bigode. Ninguém dizia, porém, naquele nada que fitava, muita coisa havia. Suas recordações o levavam pra muito distante dali, e daquele momento. Tem coisas que nos acontecem, e que nós, jamais conseguiremos entender.

A luz do sol muito forte entrando pela porta assemelhava um foco de projeção de uma sala de cinema. Lá fora, as tendas permaneciam armadas, debaixo do sol abrasador. A lona de tão quente causaria queimaduras na pele, de quem se encostasse ali. Tábata estava à mesa. O caderno clareava seu rosto de pele amorenada. Os olhos, duas jabuticabas molhadas, vitrificadas. A menina, olhava pras mãos, pros dedos, olhava pro pai, ruía as unhas, olhava pra lá fora. Vieram-lhe lembranças de quando sua mãe precisou viajar pra casa de sua vó materna. E seu pai teve que ficar cuidando da casa, também por conta das ovelhas, dos cabritos, da parelha de bois, das novilhas, das vacas e dos cachorros, que tinha que alimentar. O cachorro Negão e a cadela Amora. Negão, por conta de seu pelo escuro. A cadela Amora, era a mãe de Negão. Do jeito como estavam agora, Tábata à mesa, o pai agachado, na soleira da porta. Amora surgiu das moitas num grunhido que estava mais pra choro.

Seu Antônio perguntou-lhe: “O que foi minha filha?" A cadela respondeu-lhe grunhindo mais forte, e olhando em direção de onde surgira. E partiu pra lá. Seu Antonio a seguiu. Pressentiu algo estranho. o que se confirmaria,  encontrou Negão morto. O cachorro estava na ribanceira do rio, seu corpo estava intacto, não sofrera ferimento. Não fosse o fio de sangue saindo de sua boca, e ausência de respiração, pareceria estar dormindo. Seu Antônio teve um ataque de fúria, gritando e chorando desfechou vários golpes de facão num pé de craibeira próximo.

Não era a primeira vez que Tábata via seu pai tendo ataque de fúria. Por várias vezes o presenciou naquele estado de nervo. Quando adestrava uma parelha de bois pro arado, por vezes se machucou, na doma dos bichos brutos. Também nas brigas que tinha com os vizinhos, por conta de fios de arames arrebentados por animais alheios, caso tivesse ovelhas roubadas nas vésperas de festas natalinas, ou quando desapareciam galinhas, levadas por amigos que faziam aquilo, somente pelo prazer de vê-lo enfurecido. Naquela ocasião, porém, era diferente. Era um ódio regado a outro sentimento ainda mais forte, o de vingança. Tábata jamais esqueceria aquela cena, seu pai urrando feito um lobisomem. Desfigurado, fora de si, prometia beber o sangue do maldito que fizera aquilo com Negão, seu cachorro, seu melhor amigo, seu irmão. Precisava ir ao barracão, tomar umas cachaças.