CONFU [Z] O CAPÍTULO 05 17/05/2025




A noite as coisas mudavam de figura. Nem tudo que parecia ser, era realmente o que se via. Uma árvore nunca, jamais seria simplesmente uma árvore. Podia ser somente um obstáculo ao nosso sentido da visão. Uma árvore por trás do muro aparentava ser realmente uma árvore. O estranho nela era como movia seus galhos, semelhando um polichinelo dançante. Um desengonçado Orfeu sem Colombina. Abanando seus braços desfolhados, como imensos tentáculos. Fantasma de gente que não mais possuia músculos, nem carne, nem sangue correndo nas veias. Alguém que de tão velho ressecou balançando ao vento, alguém que morrera de pé. Uma múmia sem graça, se desintegrando sobre seu próprio cadáver. Os cabelos desidratados, sem pele, sem olhos, sem retina. Sem alma, sem medo. A lua, desde que acontecera a tragédia, a única a fitá-la. Tudo que quisesse talvez fosse, enxergar seus mais recônditos pensamentos, seus sonhos mais adormecidos, no espírito. 

Aquele natural satélite, pregado lá no alto ainda que tão longe se encontrasse, conseguia penetrar-lhe as entranhas. E dela extrair os mais hediondos pensamentos. Pior, seus malévolos atos, pensados e repensados. Algo que jamais poderia revelar. Nem a ela próprio. Seu Antônio tinha uma certa caída pela aquela moiçola que ajudava dona Dulce nos afazeres domésticos. A menina era realmente prendada. O corpo moreno, o cabelo negro, os olhos amendoados de mestiça. As pernas bem torneadas, tinha tudo pra deixar o homem de cinquenta caído aos seus pés. Ela resistiu o quanto pode as investidas do marido da patroa. Mas, se por um lado a carne é fraca, tentador também é a oferta de um dinheiro extra, pra quem vive na penúria. De tanta insistência ela foi aceitando, de início apenas mostrar os peitos pra Seu Antônio. Uma vez aceita, ficaria ainda mais difícil negar a outros pedidos. Apenas tocar neles. E quando caíram em si, já estavam mantendo relações sexuais intensas no próprio leito conjugal do patrão e da patroa, Isabel deu vasão aos instintos sexuais de Seu Antônio. Aquilo caminhava pra um desenrolar trágico, pois a menina, não contente com as gratificações de Seu Antônio, achou de chantagear o homem. Ele marcaria um encontro na beira do rio. Naquela noite enluarada os amantes se encontrariam. A lua por testemunha, viu um brilho sinistro nos olhos daquele homem. A beira do manancial d'água se entregariam a mais uma noite de prazer. Isabel parecia uma bela sereia, despida com os pés molhados tocados pelas águas do rio. O homem despiu-se e a possuiu. Em seguida sacou de suas roupas uma faca e a golpeou, várias vezes. O sangue da moça lavava-lhe o corpo e ia juntar-se as águas do rio.

 Os cabelos molhados pareciam mais revoltos. A pele molhada pela chuva fina, acentuava a morenez e eriçava os poros naquela manhã fria de agosto. O dia apenas era entendido pela tênue claridade da aurora. Tudo em volta era muito belo. Montanhas ao longe verdejavam. O capim orvalhado molhava a barra da calça lustrava os sapatos. Aqui acolá uma casa de taipa colocava cor de barro no cenário verde pronunciado. O balir de ovelhas muito ao longe parecia um sonho, distante. O tinido de um chocalho bem mais real. A estrada a frente pareceu o rumo a seguir. Não dava pra ouvir, porém a intensidade de sons de gente e movimento denotava um povoado próximo.

Batista era assim, gostava de roupas coloridas, anéis nos dedos, cordão de prata no pescoço, um boné na cabeça, óculos rayban a tapar-lhe os olhos amendoados dar cor de mel. Trazia os traços da origem indígena nas feições. Batista era artista circense, se apresentava na feira livre, fazendo malabarismo, truques de mágica. Aproveitava pra vender pomada. Um unguento para todo tipo de problema de saúde, como ele mesmo propagava.

A sua chegada a urbe já era esperada, por um colega de trabalho, seu assistente de apresentações o menino Janio, que tinha outro irmão chamado de Siloé. Os nomes propositadamente providenciado pelo pai que era admirador dos políticos mais renomados da época.

A feira livre merece uma descrição a parte, uma profusão de cores, cheiros e sabores. A multidão dividida em duas categorias, os que queriam vender, e os que queriam comprar. Fosse o que fosse, alguém tinha algo que alguém precisava, só esperavam que o destino os ajudassem nessa tarefa.

O vendedor de panelas de barro, o vendedor de cangalhas e colchões de capim, o vendedor de fubá enchendo a rua com seu aroma se misturando ao cheiro de pastel e caldo de cana. As tapioqueiras, as toldas de comida, logo cedo, o vapor das panelas ia de olfato em olfato abrindo o apetite para um bom prato de cuscuz com carne de galinha e uma xícara de café fumegante.A feira é um espetáculo de vida. Os meninos carroceiros, ganhando um trocado pra levar as feiras das donas de casa que iam de banca em banca comprando os víveres nessários para aquela semana que terminava, afinal era um sábado na feira de Santana.

Batista encontrou Janio na porta da igreja matriz, estava vendendo revistas e jornais velhos. Arrecadado dos escritórios do promotor de justiça dr. Tenório. Também do juiz civil dr Yoyô. Os bacharéis doavam os periódicos para os meninos venderem na feira e conseguirem algum trocado. As sobras de comida virava lavagem que servia de alimento aos porcos. O óleo de cozinha usado servia para o fabrico de sabão na casa de dona Carminha. Tereza matava um porco toda sexta-feira pra vender a carne na porta de casa. A carne rosada do suíno ficava exposta em cima duma banca. Não dava meio dia e já não tinha mais.

O bar da sinuca de Seu Soares ficava na esquina da entrada da rua da cadeia. Os homens usavam chapéus de napa e um paletó que davam-lhes um ar de gangster dos filmes americanos. 

Os pássaros como que coadjuvantes da belíssima cena compactuavam do risonho amanhecer. Desfiavam com seus cantos terna poesia lírica. 

Tem história que parece não ter pé nem cabeça. História que parece começar do final pro começo. Um final triste, um começo melancólico. Uma família, uma casa de esquina. Diziam que morar numa casa, como aquela, de esquina não era legal. Simplesmente por localizar-se numa encruzilhada.

 

 





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