Capítulo 7 Sorte Da Saga de Kira

    





















Kira sentia-se perdido. Totalmente desorientado, fisicamente, psicologicamente, espiritualmente. E mesmo geograficamente, Olhou em volta. Percebeu que se encontrava bem no meio da vila.  Deu um giro de trezentos e sessenta graus. Parecia um bêbado. Olhou pra si mesmo. Considerou-se em situação deplorável. Sujo, fedia. Havia dias que não tomava banho, tinha fome, e ódio, muito ódio. Vagou pelas ruas. Acabou na escadaria da catedral. Se um cristão da nobreza, por acaso saísse do templo, dar-lhe-ia uma moeda de esmola. Mesmo se ele não estendesse a mão como fazem os pedintes. Daria por superstição, por tradição, ou medo dos castigos dos céus. Caminhando a esmo, acabou deixando a vila. Andou, andou foi quando viu uma belíssima chácara. Um homem montado a cavalo, indo no mesmo sentido que ia, passou sem cumprimentá-lo.  O cavalo troteiro sacudia a cauda, como se desprezasse tudo que ia ficando pra trás. Kira andou rente a cerca de arame, quando avistou um alforje caído no meio da estrada. Ao alcançá-lo verificou seu conteúdo. Havia um montante considerável de dinheiro ali. Eram notas novinhas verdinhas, exalavam o suave odor da fartura. Olhou em volta, ninguém somente o cão negro que sempre o seguia, parado a uma distância considerável. O primeiro impulso foi o de voltar a vila, ir até a taberna saciar a fome, tomar umas boas doses de uísque. Hospedar-se num hotel tomar banho, ficar com uma rapariga. Jogar pôquer no Cassino. Porem considerou que aquele achado poderia pertencer ao cavaleiro que a pouco passara por ele. Andou, até chegar ao portal da propriedade que margeava a estrada. Letras cursivas, talhadas num tablado de madeira de lei, anunciava: “Chácara Dom Pero Di Carriglio”.

Aquela moça da visagem da gruta, jamais fora sua irmã! Acabara de encontrá-la, bem ali. Além da cancela da chácara. Ainda mais bela pessoalmente. Tão assim vivamente. Seria a filha de Dom Pero? Sentiu-se um pouco aliviado. Pois tivera pensamentos cheios de libido. Da vez que a viu, tão bela donzela, em sua miragem. As probabilidades dela não ser sua irmã diminuía a culpa, tornando mais leve o pecado da luxúria.


O Ódio voltou para junto de Kira. Tão perto estava que o fogo emanado do seu corpo chegava a queimar as pontas dos pelos de seu braço, da barba, do bigode. Chamuscava os cabelos da cabeça. O cheiro de pelos queimado entrou por suas narinas trazendo lembranças terríveis, de quando enfrentou o incêndio na casa materna. O ódio deu voltas em torno de seu corpo. Algumas tão lentas que provocavam arrepios, outras tão rápidas que levantou poeira, pedras, terra e arrancou arbustos do entorno. De repente o Ódio enfiou a mão dentro do seu peito. E segurou seu coração. Sentiu como se queimasse enquanto pulsava entre os dedos incandescentes. O Ódio segurava, e mantinha seu sopro de vida. E o Ódio como numa voz de muitas vozes, vinda das profundas da terra falou: Não encontro aqui dentro, motivo para levá-lo comigo. Vou tirar apenas o que me pertence. Num movimento brusco recolheu a mão, que trouxe junto as manchas negras que haviam na alma de Kira.  Evaporou para dentro das trevas. Kira desmaiou.  

27 de Julho de 2019.  



POESIA:         ALVORADA

QUANDO A IMENSIDÃO DAS TREVAS
ESTÁ SE INDO EMBORA E O CÉU TORNA-SE
UM VÉU AZULADO, É O ALVORECER QUE VEM...
ANUNCIAR MAIS UM AMANHECER
PÁSSAROS EM ALVOROÇO SACODEM-SE
PARA AFUGENTAR O FRIO
NO SILÊNCIO DOS CAMPOS...
NO MURMÚRIO DAS ÁRVORES
GOTAS DE ORVALHO DEITAM-SE
POR ENTRE A FOLHAGEM DAS PLANTAS
E POR TUDO QUANTO É SUPERFÍCIE
TORNANDO TUDO FRIO...
CHEIRO BOM DE MATO VERDE E FOLHAGEM
INVADINDO TUDO, E TUDO SE TRANSFORMA
O CÉU AZUL, QUE ESPLENDOR!
OS PRIMEIROS RAIOS DE SOL SEM QUENTURA
QUE OUSAM APENAS CLAREAR SOBRE O OLHO
DAS PLANTAS MAIS ALTAS, E CADA VEZ MAIS INVADE.
BELO É O VOAR DOS PÁSSAROS EM DIREÇÃO
AO NASCER DO SOL
TOCA O SINO NA IGREJA ANUNCIANDO
A HORA DE DESPERTAR...
MAIS UM DIA A ENFRENTAR...
A MISSA VAI COMEÇAR...
BELO É O AMANHECER.

Composição de 18 de Junho de 1978.





CAPITULO 6 ÓDIO Da Saga de Kira






O cachorro continuava seguindo Kira, que detestava sua companhia. Ambos detestavam-se. Parecia sua própria consciência, ali, o tempo todo acusando. Cobrando atitudes, omissões, negações, afirmações, desvarios.  Jamais esqueceria o que acontecera, entre os dois. Tinha certeza que o cão o entendia. Pior, achava que lia seus pensamentos. Como podia ser irracional possuir tal poder? Mas isso ficava muito evidente, na forma de agir de olhar. Como se entendesse quando estava feliz, quando triste, e na maioria das vezes estava. E mesmo sob a euforia do uso do álcool. Quando dividiam brincadeiras, raramente, mas ocorriam. Jogava algum objeto pra que fosse apanhar. A mordida, no entanto, jamais esquecera. Perguntava-se por que já não dera fim a ele? Oportunidade de pegá-lo de surpresa tivera, mais de uma vez. Nas noites frias, em que se achegava mais perto, angariando um pouco de calor. Tinha pena de matá-lo, ainda mais por traição. A solidão, o frio, a fome aproximava, um ao outro. A vida igual, cães de rua. Os sofrimentos compartilhados. O cão fitava-o. Como quem dizia: Eu sei o que você está pensando. Das suas angústias, conheço seu passado. O quanto o odiava. O quanto odiava, a si mesmo, por odiar um cão. Sabia exatamente o que estava pensando naquele exato momento. Talvez que noutra vida um fosse o outro. Quem sabe fossem um único. Reflexo um do outro. Talvez um deles nem existisse. O cão negro que o seguia não existiria? Nunca levara uma mordida. Claro que levara a cicatriz estava ali pra não deixar dúvida. Kira era fruto da imaginação de um cão.

No vale tenebroso dos sentimentos, tudo seria revelado. Entender por que tanto ódio no coração. Odiava o cão. Odiava o pai. E os irmãos, que sentimento nutria por eles? Amava-os? Talvez tivesse esse sentimento para com eles. Buscaria incessantemente encontrá-los. Talvez não tivesse motivo para odiá-los. Porém a recíproca podia não ser verdadeira. Talvez nem fizesse conta de sua existência. De repente a irmã de Kira apareceu-lhe. Lá estava na sua frente. Formosa, a pele alva resplandecendo como neve. Aquela pele. Seria natural aquela névoa ? Não seria um holograma? Uma aura emanava de seu corpo. Como envolta de luz, diáfana. Os cabelos ruivos. Os pelos do braço alvos, quase que eriçados. Seu colo, magnífico. As auréolas de seus seios deveriam ser róseos. Bem como os lábios vaginais. Suas nádegas, na certa seria coberta por uma penugem fina de seda. Vestia um vestido branco, leve, vaporoso. Imaginou-a nua, sentada numa cama de realeza. Tudo revestido de sedas finas, caríssimas. Sua irmã vivera vida de princesa?

O ódio era uma carruagem de fogo. Cavalos de labaredas, carroça flamejante. Ventas de fúrias, patas dianteiras empinadas. Sobre a carruagem repousava um guerreiro da cabeça de touro, olhos de fogo. Uma argola vazava as duas narinas. Portava um cetro de ouro incandescente encimada por uma tocha acesa, cujo fogo tinha a consistência de larva. Cumprimentou Kira com reverência e iniciou a inquisição. Disse: vejo sua alma. Nela há manchas que me pertencem. Você terá agora a oportunidade de devolver-me o que é meu. Do contrário tomar mais do que tenho e deixar-se seduzir-se totalmente. E pertencer-me para sempre. 
Comecemos pelo cão que lhe acompanha. É um discípulo meu. Enviei-o para admoestá-lo e ver como reagia. Você não o odeia, detesta-o. A diferença é que, como você se identifica muito com ele, cria essa aversão. Uma negação de si mesmo. Vamos juntos ver outros momentos em que estive presente na sua vida. Todas as brigas, contendas e discussões acirradas seu coração evocou-me. Lembra que você bateu no seu irmão caçula, Por algo tão insignificante. Só porque a criança mexeu nos seus pertences mais queridos. Também quando brigou com outro irmão. Briga de verdade. Porque ele disse-lhe algo que feriu seus brios. Ninguém gosta de ser chamado de covarde. Talvez ele não tivesse razão. Mas você poderia optar em manter o controle emocional, não o fez. Poderia ter havido morte. Mas o seu anjo da guarda interferiu em seu favor. Nas vezes que matou em combate, esses casos não vou levar em consideração. Faz parte da vida, fui usado pela sobrevivência. A famosa legítima defesa. Quero ater-me as vezes que requisitou meus préstimos de modo arbitrário, para algo mal contra alguém de forma covarde, quando poderia evitar. A seu favor tem a premissa de nunca ter se enfurecido contra seus pais. Sempre os respeitou. A história de que o homem é um momento, é de fato uma grande verdade. Mas justo no limiar da raiva, irmã do ódio. É o momento que se tem o poder de se decidir pela calma, irmã da serenidade. O livre arbítrio foi dado ao homem para ele o exercer. O ideal é optar pela serenidade, e agir com justeza. Ou caso contrário perde-se a razão e o controle, opta-se por deixar-se seduzir mim. O ódio recolheu-se para avaliar as atitudes de Kira. Quando voltasse seria pra dar o veredicto.

Fabio Campos, 20 de Julho de 2019.


POESIA:       MADRUGADA

JÁ É NOITE ALTA
CONVERSAS, ALGAZARRAS E FARRAS
VÃO SE INDO...
SERESTA, SERESTEIRO E CANSAÇO...
VÃO DORMIR
TODOS DORMEM
A RUA DORME, A NOITE DORME
CIDADE NO SILÊNCIO DA NOITE...
NAS PRAÇAS, NOS BECOS ESCUROS
DE BAIXO DO POSTE MAL ILUMINADO
QUIETUDE SEPULCRAL
SOB O LUAR, O LOBO UIVA PARA O ALÉM
ALÉM DAS MONTANHAS
GROTESCAS SOMBRAS
SOB A LUZ FROUXA DO LUAR
DESFILAM NESSE LUAR
SINISTRO CORTEJO DE MORCEGOS
DEBAIXO DO SERENO DA MADRUGADA
VAI DORMINDO NOITE A FORA
A PAZ, A DESILUSÃO, O SILÊNCIO
SILÊNCIO QUEBRADO, CORTADO
APENAS PELO ESTRIDENTE MAU AGOURO
DA CORUJA
NA IMENSIDÃO DA NOITE
IMPACIENTE DO GALO
A RECLAMAR O AMANHECER
QUE NÃO VEM...
TUDO DORME...
EM ALGUM LUGAR A ERMO, A ESMO.
CÁ ESTOU...
A MERCÊ DO DESTINO
DESTINO INANIMADO ADMIRÁVEL!
DA MADRUGADA 
SOLIDÃO.

Fabio Campos, poesia concebida em: 16 de junho de 1978


    

CAPÍTULO 5 REMINISCÊNCIAS Da Saga de Kira



No ano décimo, do reinado de Adonias, da dinastia dos Caravaglios, no vale de Ikawa, a sudeste da terra do fogo. Teve início um grande período de dificuldades. Os Avatares estavam padecendo de uma doença misteriosa. As mudanças eram visíveis na população. Ainda mais entre os aldeões. O corpo apresentava erupções, como se invadido por algo que o deformava. Em questão de minutos, algo percorria o corpo todo. Indo da cabeça aos pés. O suposto elemento invasor provocava erupções momentâneas. Causando um aumento do órgão por onde passava. Se estivesse na cabeça ou qualquer dos membros, aumentava-o de tamanho deformando-o. Males ocorriam também nas searas. As plantações, entraram num processo de autodestruição. Não tardaria e os suprimentos de alimentos começariam a escassear. A grande floresta acometida de males, a tornara sombria. Dava arrepios contemplá-la, quanto mais ter que entrar lá. Exóticas papoulas enrugadas, estupendas tulipas, enegrecidas e murchas. Os animais estavam desaparecendo. Os que sobreviviam apresentavam sintomas de doença estranha. Mesmo as espécies mais dóceis, do nada explodiam em ataques de fúria contra os demais do bando. Caiam ao chão espumando, e era o fim. O próspero reinado de Caravaglio do rei Adonias, e do príncipe Adonis, que até então gozara da mais completa paz e harmonia, viu a ruína e a destruição crescer feito erva daninha. O rei convocou a suprema corte confabularam. Consultaram o oráculo dos mil anos. E decidiram então enviar um grupo composto dos mais valentes guerreiros, em uma missão para descobrirem novas terras para a qual o reinado de Caravaglio pudesse se exilar por um período até passar o mal que se abatera. Kira pelo fato de pertencer ainda que distante a linhagem, era bisneto do terceiro rei da dinastia Caravaglio seria convidado a comandar a tropa de aventureiros, a tão importante missão. Não podia recusar. Teria que escolher um a um, os bravos guerreiros que faria parte da caravana.

Kira estava na caverna do diabo. O cão o negro o acompanhava, de longe. Eis que teve uma visão bem interessante. Viu a uma irmã, que jamais pensara que tivesse. Via-a como a um filme, estava abraçada com uma amiga de infância. Beijavam-se, na boca. Não sabia que tinha uma irmã, precisava encontrá-la.A vida inteira viveu essa busca pelo pai e os irmãos. Encontrá-los era meta primordial. A única que Kira sabia onde estava era a mãe. Precisava encontrar os demais. Conversar com cada um, sobre como teriam vivido estes anos todos. A irmã bastarda, fruto do relacionamento do seu pai com a índia eremita. Fora abandonada pela mãe pra morrer no meio da mata. Era rito da tribo, toda índia que tinha filha mulher rejeitava a cria. As mais fortes conseguiam sobreviver. Tinha algumas que as mães criavam escondidas. Como será que escapou? Como se chamava? Lembrou dos irmãos, e que a mãe poria nos seus irmãos os nomes tirados da gravura da santa ceia que tinha na cozinha de casa. Seriam esses os nomes dos irmãos: Mateus, Bartolomeu, Thomas, Felipe, Lucas, Natanael, João, Marcos, André, Tadeu e Simão Pedro. Somente ele Kira, não tivera o nome tirado da gravura. Talvez, porque sua mãe não quis colocar o nome de Judas Iscariotes em um filho. E a irmã? Descobriu que se chamava Polidarta-an. Fruto de relacionamento extra conjugal, entre o pai e uma índia Ikawa.  Era a primeira vez que via a irmã. Estava com uma amiga. De repente as duas se beijaram. Acariciavam-se e beijavam-se, na boca. Kira nada tinha contra. Mas sabia, quantas discriminações devia enfrentar, por ser assim. Iria a seu encontro. Precisavam conversar.

Aconteceu que o povo de Ikawa, em seu exílio, ao atravessarem um território desconhecido no vale tenebrosos de Luwana foram surpreendidos com um ataque de um povo de uma ilha além do estreito de Xan-thu-athan que quer dizer cabeça de fogo, na língua Ikawana. Os nativos eram de pele escura, pintavam o corpo com uma espécie de lama branca. E tinham no meio da cabeça uma fileira de cabelos cor de abóbora que descia como um rabo pelas costas. O ataque foi sangrento. Houvera mortes dos dois lados. Adonis o príncipe herdeiro do trono de Adonias estava presente e lutou bravamente. Acontece que acabou perdendo um olho. Um dos nativos, guerreiro da ilha do fogo atingiu-lhe o olho esquerdo com uma flecha. A seta do nativo atingiu o globo ocular, fazendo saltar da cavidade óptica, indo rolar por terra. O príncipe desnorteado empreendeu fuga. Tinha, porém, tinha a esperança de recuperar o olho perdido. Muitos anos se passaram. O príncipe teve que se  acostumar a ver o mundo pela metade. Passou a usar tapa-olho para cobrir a marcar da tragédia. E ultimamente ficara sabendo que seu olho arrancado, fora cair nas mãos de um alquimista, que o transformou em uma pedra preciosa. E que devido ser um olho de um descendente da nobreza dos Caravaglio atribui-lhe poderes mágicos. 

O olho feito pedra preciosa viajaria milhares de quilômetros pra longe de sua origem. Passaria pelas mãos de muitos feiticeiros, de magos que negociavam por consideráveis fortunas com monarcas dizendo que possuía poderes brilhantes. Feitos incríveis seriam atribuídos ao olho mágico do príncipe Adonis. A pedra preciosa na mão de pessoa má podia ocasionar poderes tais como, desaparecer debaixo das vistas de quem quisesse. Certa vez um mago ladrão mesmo, escapou de uma prisão real por estar de posse do olho. E o fez tão somente para prova ao rei de terminada província do poder que a pedra tinha. Era capaz também de provocar uma tempestade, uma inundação, um incêndio, um eclipse solar, um terremoto e outras catástrofes. Tudo podia, mediante a apresentação do olho de Adonis e a recitação de uns versos de um oráculo escrito na língua ikawana. O olho vagou pelo mundo, indo parar na mão de uma feiticeira que o roubou de um conde nas terras do terceiro mundo inferior. O rei queria saber se Kira estaria disposto a participar da busca ao olho perdido do seu filho Adonis. 

No vale tenebroso Kira iria passar pelo crivo do guerreiro do ódio. O primeiro pecado capital. O enfrentante tinha que se armar de uma qualidade, uma virtude que praticamente  inexistia nele, o perdão. Para cada pecado capital o andante precisava de um antídoto, para o ódio, o perdão. Se não  possuísse, em seu coração, era morte certa. Kira bem sabia, não estava limpo daquele mal. Sabia muito bem o risco que corria.

13 de julho de 2019.

POESIA:       CREPÚSCULO

SOB A TARDE CRIANÇAS BULIÇOSAS
EM ARENGA
CORREM, PULAM E SE PERDEM NO QUARTEIRÃO
VENDEDORES: 
OLHA A PIPOCA! OLHA O PÃO!
ESTUDANTES EM DISCUSSÃO,
DESFILAM SEM PREOCUPAÇÃO
 OUTRO A DIZER NÃO!
ALEGRE VOLTA DA ESCOLA
SOB OLHARES DO CLARÃO
SOL E SOMBRA
NO QUARTEIRÃO
SOMBRA E ESCURIDÃO
A TOMAR CONTA DO MUNDO
O VENDEDOR QUE SE VAI...
CONVERSA RAPAZ
UMA CRIANÇA QUE CAI...
LAMENTOS DE ANIMAIS
SUSSUROS DE APAIXONADOS
E ABRAÇOS...
SOMEM, E O MANTO NEGRO
O MUNDO VAI COBRINDO
HORA DE MEDITAÇÃO...
HORA DA AVE-MARIA
CORAÇÕES ABALADOS
CAIR DE PRANTOS, LAMENTAÇÕES
EU NA JANELA, CONTEMPLO
O TEMPO
SOB A LUZ DA VELA
TUDO ESCURO...ESQUISITO...
LÁ FORA É NOITE.

Composição de 14 de junho de 1978.
O desenho ilustrativo é arte de meu neto (9 anos) Thomas Kael. 





Capítulo 4 Na Caverna do Diabo A Saga de Kira


































Capítulo 4 Na Caverna do Diabo         

Na caverna do diabo o caminhante tinha que confiar no espírito vagante, o guardador da entrada. Ele conduzia o passante. Totalmente no escuro, era confiar ou confiar. Se acaso caísse num abismo, era o que o destino o reservara. Jamais poria culpa na falta de fé. A jornada toda perigo, iminente. Havia de passar pelo túnel das cobras. Em seguida pela gruta dos esqueletos dos piratas. Se escapasse, enfrentaria a galera dos que morreram enforcados. 

Inveja, orgulho, soberba, ódio, luxúria, avareza, gula, os sete pecados capitais seriam testados, provados a cada criatura que se inventasse naquela aventura. O mundo todo azul. As casas, as carroças, as pessoas. As pedras do calçamento. Kira via tudo como se filtrado por um prima monocromático que deixava tudo azul. Azul em vários tons. Como se usasse uns óculos especial que anulava as outras cores. Moradores de rua, cobertos em farrapos, se aqueciam junto a uma fogueira bem no meio da praça. A exceção do azul, o fogo dentro do tonel que ardia no centro da praça.  Vez ou outra alguém olhava pro céu, com se a qualquer momento de lá fosse surgir algo tenebroso. Como se fosse obrigação de todos vigiar.  Kira instintivamente olhou o céu. Talvez quisesse apenas saber se era de lá que vinha aquele azul anormal, que a tudo impregnava. Como uma fumaça blue. Aderia a pele, dos corpos, dos rostos. Talvez fosse sinal de alguma coisa. Quem sabe fossemos ter chuva de granizo, ou neve, quem sabe uma tempestade se avizinhava. De repente ouviu-se o estrondo de um longo trovão, seguido de um raio que clareou o mundo com sua luz amarelada cortando o azul como se corta um pedaço de carne crua, de dentro do raio um ser alado apareceu.

O que quase ninguém sabia era que o pai de Kira se tornara um desertor. Durante um confronto no vilarejo de Pihon abandonou a tropa. Partiu para uma montanha distante no condado de Sukar, bem longe da guerra. Viveu um tempo com uma índia eremita, bem mais velha que ele. Cultivavam milho, feijão, e um pomar onde havia várias hortaliças. Domava cavalos bravios, adquiriu algumas cabeças de gado. Ensinamentos milenares, passados de geração em geração que podia até salvar a vida de uma pessoa aprendera com os ancestrais da tribo.

Da fenda aberta pelo raio, na verdade dois seres surgiram. Um touro montava um Avatar. Era um guerreiro, tinha cabeça de carneiro, com chifres de ouro que se enroscavam feito conchas do mar. O corpo todo coberto de pelo. Vestia uma armadura de metal que cobria o peito e uma espécie de sunga de material metálico embora flexível. O rosto tinha focinho como de cavalo. O touro tinha asas que soltavam labaredas cor violeta, os cascos de prata. E todo o corpo até a calda era coberto de escamas, de variadas cores, como um dragão do mar. Veio vindo sobre as casas e desceu no meio da praça, aquela altura totalmente deserta. Só um aldeão permaneceu em via pública, Kira. O cara de cachorro. O Avatar disse que se chamava Centauro e que tinha vindo do reino de Caravaglio. Tinha uma história para compartilhar.  O rei Adonias pai do príncipe Adonis o encarregara de procurá-lo. Pedia que o ouvisse, uma missão precisava ser executada, que o sucesso da futura jornada dependia de sua participação.


O tempo podia passar, não importava se um século, ou um milênio Kira jamais esqueceria de sua infância. Ele e os irmãos brincando a caminho da casa do sítio dos avós. Era um tempo tão bom, que até os cheiros junto com as lembranças davam pra trazer. Pensou se valia a pena adiar sua busca. Cheiro de milho assado na fogueira. As lembranças se apossando dele. Sentia vir lá da cozinha o cheiro de canjica, de milho cozido, de pamonha. As brincadeiras eram da época junina. A tarde caindo e de cada terreiro, das casinhas de taipa que mais pareciam desenho rústico, rabiscos. Subia ao céu um rolo de fumo negro das fogueiras recém acendidas. Bandeirolas coloridas penduradas enfeitavam o alpendre. Ao som dum fole velho os casais dançavam quadrilha improvisada. As roupas coloridas enchiam o ar de alegria. O cheiro forte de pólvora dos fogos de artifícios estourados. Tudo aquilo jamais esqueceria. Coisas que se um dia no futuro seus netos, lhes perguntassem como era viver no terceiro mundo? Mundo inferior. Diria que por mais minuciosa fosse a descrição, apenas com palavras não seria suficiente dizer. Somente quem vivera, sabia o valor que tinha. Um dia ainda reviveria. Uma tecnologia que ainda estava pra surgir ia possibilitar isso.   



POESIA:       PARA ONDE ESTAMOS INDO?

CORREM OS MILÊNIOS
CORREM OS SÉCULOS
CORREM AS DÉCADAS
CORREM OS ANOS
CORREM OS MESES
CORREM AS SEMANAS
CORREM OS DIAS
CORREM AS HORAS
CORREM OS MINUTOS
CORREM OS SEGUNDOS
NINGUÉM PARA PRA PENSAR
PARA ONDE ESTAMOS INDO?
SEI QUE ESTAMOS INDO!
NÃO SEI QUAL O DESTINO
CORREM OS SEGUNDOS
CORREM OS MINUTOS
CORREM AS HORAS
CORREM OS DIAS
CORREM AS SEMANAS
CORREM OS MESES
CORREM OS ANOS
CORREM AS DÉCADAS 
CORREM OS SÉCULOS
CORREM OS MILÊNIOS

Composição de 13 de Junho de 1978. Há uma ilustração que envolve a poesia ela está dentro de uma vela acesa na parte de cima e do meio pra baixo é uma banana de dinamite com o chio aceso.

PENSAMENTOS     PONTO DE VISTA

CONHECER ALGUÉM É VER A CAPA DE UM LIVRO;
DIALOGAR RECONHECER ERROS E EMOÇÕES DE ALGUÉM, É LER ESSE LIVRO ATÉ CERTO MEIO;
DIZER QUE CONHECE A PERSONALIDADE DE ALGUÉM, É LER TODO O LIVRO E ESQUECER ALGUMAS PARTES; 
AMAR ALGUÉM É FOLHEAR AS PÁGINAS COM GRAVURAS;
DIZER QUE CONHECE ALGUÉM POR COMPLETO, É LER TODO O LIVRO E NÃO LEMBRAR DE ALGO DO INÍCIO OU ESQUECER DO FIM;
DIZER QUE CONHECE MAS NÃO GOSTA DE ALGUÉM, É LER E NÃO ENTENDER A HISTÓRIA
MORAL DA ESTÓRIA: NINGUÉM CONHECE NINGUÉM.

POESIA: HOMEM

HOMEM 
HOMEM EXEMPLO
HOMEM ORGULHO
HOMEM PODER
Homem
homem..
homem pó
pó.

Composições feitas em 14 de Junho de 1978.